Sumário
1 – Introdução;
2 – Aspectos legais;
3 – Poderes, deveres e limites na administração;
4 – Conclusão;
Abstract:
O usufruto e a administração dos bens dos filhos menores é uma das extensões do poder familiar e defere ao titular o poder/dever de bem administrar o patrimônio dos filhos. Porém, é necessário perceber que há limites na condução dos assuntos econômicos da prole, transformando os genitores em verdadeiros gestores de coisa alheia, cuja extrapolação de limites defere ao interessado, a declaração de nulidade do ato praticado.
1. - Introdução:
A família é a base nuclear de toda a sociedade e, em nosso ordenamento jurídico, tem especial proteção do Estado, na forma como dispõe o artigo 226 da Constituição Federal. O Estado organizado, não obstante opiniões contrárias, é um agrupamento de famílias que, por sua vez, é um agrupamento de indivíduos.
Porém, é preciso reconhecer seu perfil histórico social para enquadrá-la como objeto de proteção. É uma instituição pré-jurídica, independente e antecedente da organização do Estado e que sofreu mutações ao longo do processo de desenvolvimento do ser humano.
Muito antes das famílias consangüínea, punaluana e pré-monogâmica, apresentadas por Engels, até o atingimento dos grupos econômicos romano/patriarcais, o certo é que o ser humano precisou viver em comunhão, seja para se defender, seja para sobreviver, seja para procriar, seja para enriquecer. O desenvolvimento do Estado dependeu sobremaneira da formação dos grupos familiares, que lhe dariam suporte e que hoje são por ele defendidos.
Do patrimonialismo ao existencialismo, do patriarcalismo à família promocional, do matrimonialismo à pluralidade na formação de arranjos grupais, certo é que a união de pessoas vincula-se atualmente no afeto e no reconhecimento de que a família é o lócus de desenvolvimento do ser humano. Daí dizer-se da função serviente da família.
A formação de qualquer Estado perpassa pelo agrupamento de pessoas que, regra geral, estão reunidas em diferentes arranjos familiares. Família matrimonial, monoparental, socioafetiva, homoafetiva, pluriafetiva são exemplos de intersubjetividade vivenciada pelo ser humano nas mais diversas composições de coexistência. O modelo de hoje é plural e diversificado, concatenado com o princípio de liberdade e da dignidade, a um só tempo fundamento e objetivo de nossa República, como se depreende dos artigos 1º, inciso III e 3º, inciso I de nossa Carta Política.
É que o modelo patriarcal, autoritário e matrimonialista dos séculos anteriores, já não dava mais o suporte de desenvolvimento pessoal e interpessoal. A família, além de plural e eudemonista é vista como uma unidade afetiva e de desenvolvimento do indivíduo. É no ambiente familiar que a pessoa se desenvolve material, moral e espiritualmente.
Há famílias constituídas pela via da união estável, em que duas pessoas se unem, por certo lapso de tempo, com o objetivo de constituição de família legítima e sem que haja impedimento matrimonial para qualquer uma delas. É a entidade familiar em que o casal convive na posse do estado de casados, cuja situação, de fato e de afeto, pode vir a atingir juridicidade, pendente a declaração e o reconhecimento. A estabilidade do vínculo está no desimpedimento dos conviventes e no objetivo de se unirem através dos esforços comuns e dos laços de afeição.
Há famílias ligadas apenas pelo vínculo de parentesco ou pela socioafetividade não declarada. Avós convivem com os netos e lhes dão suporte para o desenvolvimento socioeducacional. Na paternidade socioafetiva, o indivíduo traz para si, na condição de filho, pessoa que lhe é estranha, independente do vínculo da adoção, pendente apenas a declaração da paternidade.
Há famílias de pessoas do mesmo sexo, estruturadas, vivenciadas sob o manto do respeito, da confiança e da cumplicidade, cuja união se ampara no amor, na fidelidade e na consideração mútuos.
Nesse sentido, o eudemonismo prega que a felicidade é o objetivo do ser humano, não importa a forma como convive e sob qual concepção pretende se relacionar afetivamente. Segundo Hanna Arendt “quem habita esse planeta não é o homem, mas, os homens. Pluralidade é a lei da terra”.
Portanto, os modelos são variados e se apresentam sob as mais diferentes roupagens. Não temos mais a ideia ou a pretensão de compor a união de duas pessoas, em convívio familial, apenas pela via do casamento, que há muito deixou de ser a única forma de atingimento do grupo familiar.
É bom que se diga que se o Estado pretende proteger a família, ou, as famílias, e dar-lhes o suporte necessário para o desenvolvimento, deverá reconhecer que os arranjos se alteraram e os modelos são plurais, amparados no amor, no afeto, no respeito e, não raras vezes, na diversidade.
1 Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
III - a dignidade da pessoa humana;
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
2. - Introdução:
A capacidade de fato ou de exercício é atingida com a maioridade, consoante descreve o artigo 5º do Código Civil. É relevante distingui-la da capacidade de direito, atribuída a todas as pessoas naturais, por força do princípio da igualdade.
A capacidade de fato pressupõe a liberdade de exercício consciente dos interesses individuais de seu titular. Ao menor de 16 anos, absolutamente incapaz na gestão de seus assuntos, é deferida a representação, nos termos do artigo 3º, I do CC/02. Ao maior de 16 anos e menor de 18 anos, relativamente incapaz, é deferida a assistência, na forma do que dispõe o artigo 4º, I do Diploma Material.
Os filhos, por sua vez, estão sujeitos ao poder familiar enquanto menores, em subsunção ao disposto no artigo 1.630 do Codex. O poder familiar ou autoridade parental é definido como “um conjunto de direitos e obrigações, quanto à pessoa e bens do filho menor não emancipado, exercido, em igualdade de condições, por ambos os pais, para que possam desempenhar os encargos que a norma jurídica lhes impõe, tendo em vista o interesse e a proteção do filho”. Tem reflexo, portanto, na esfera pessoal e patrimonial.
Antes mesmo de um poder, é um conjunto de deveres com relação aos filhos, a ser desempenhado por ambos os pais, de forma isonômica. É um múnus em que são ressaltadas as obrigações para com as questões afetivas, educacionais, representativas, hierárquicas e econômicas dos filhos. Em sede de autoridade parental a questão da representação e da assistência está disciplinada no artigo 1.634, V do CC/02.
Portanto, os pais enquanto no exercício do poder familiar, são usufrutuários e administradores dos bens dos filhos menores sob sua autoridade, cabendo-lhes zelar pela boa administração. Entende o legislador que ninguém melhor que os próprios genitores para a condução dos assuntos econômicos dos filhos, enquanto menores.
14 TEPEDINO, Gustavo. A parte geral do novo código civil. Rio de Janeiro: Editora Renovar. 2002, p. 11.
I - os menores de dezesseis anos;
I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
V - representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;
I - são usufrutuários dos bens dos filhos;
II - têm a administração dos bens dos filhos menores sob sua autoridade.
3. - Poderes, deveres e limites na administração:
Porém, não obstante o reconhecimento dos encargos e da autoridade pertencentes aos pais quanto à pessoa dos filhos, é importante perceber a extensão e os limites do instituto.
O usufruto, direito real sobre coisa alheia, defere ao titular o direito à posse, ao uso, à administração e à percepção dos frutos, na forma do disposto no artigo 1.394 do Código Civil. Os pais, usufrutuários dos bens dos filhos, estão dispensados de prestar contas a respeito dos valores percebidos sob essa rubrica. Na realidade, a desnecessidade de prestação de contas está diretamente relacionada ao encargo da administração.
É competência dos genitores, enquanto não atingida a maioridade dos filhos, representá-los e/ou assisti-los, na forma do disposto no artigo 1.690, também do diploma material. Os pais são, por disposição legal, os administradores naturais dos bens pertencentes aos filhos, cabendo-lhes zelar pelo planejamento, organização, condução e comando desses bens. As decisões deverão ser tomadas por ambos e, havendo divergência, qualquer deles poderá recorrer ao juiz, ouvido o ministério público.
1 - Os pais não podem ultrapassar o limite da administração dos bens pertencentes aos filhos menores, uma vez que o usufruto de tais bens instituído pelo Código Civil é suficiente para recompensar a administração dos mesmos. 2 - É nulo o negócio entabulado pelos pais que envolva alienação de bens de seus filhos menores por eles administrados, infringindo o art. 386, do Código Civil de 1916. 3 - Aplica-se o Código Civil de 1916 em relação aos fatos ocorridos durante a sua vigência, em deferência ao princípio tempus regit actum. Relator(a): TJMG. Des.(a) Pedro Bernardes.
28 FIUZA, Ricardo. Novo código civil comentado. São Paulo: Editora Saraiva. 2003, p. 1.499.
- Recurso especial a que se nega provimento. STJ – REsp 292974 / SP RECURSO ESPECIAL 2000/0133409-3. Ministra NANCY ANDRIGHI . T3 - TERCEIRA TURMA Data do Julgamento 29/05/2001.
I - nas causas em que há interesses de incapazes;
Parágrafo único. Os pais devem decidir em comum as questões relativas aos filhos e a seus bens; havendo divergência, poderá qualquer deles recorrer ao juiz para a solução necessária.
34 Art. 1.692. Sempre que no exercício do poder familiar colidir o interesse dos pais com o do filho, a requerimento deste ou do Ministério Público o juiz lhe dará curador especial.
4. - Conclusão:
Do que foi acima exposto conclui-se:
Os pais, enquanto usufrutuários dos bens dos filhos, poderão administrá-los livremente, sem a necessidade de prestação de contas. Porém, a liberdade de administração encontra limites, não podendo os pais alienar os bens em prejuízo da prole.
As hipóteses autorizativas, após demonstradas pelos pais, deverão ser apreciadas pelo juiz, sob a fiscalização do ministério público. Demonstrado o prejuízo, caberá aos interessados o remédio da declaração de nulidade do ato praticado.
Valério Augusto Ribeiro: Membro do IAMG, MBA em Direito pela FGV/RJ, Advogado e Consultor Jurídico do Escritório Valério Ribeiro Advocacia.
Publicado na obra "Regime de Bens - Direito de Família e Sucessões", organizada por Luiz Fernando Valladão Nogueira.
5. - Bibliografia:
COSTA, Judith Martins (organizadora). A reconstrução do direito privado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2002;
ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do estado. São Paulo: Editora Escala;
DIAS, Maria Berenice. Manual de direitos das famílias. 4ª Edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2007;
DIAS, Maria Berenice e PEREIRA, Rodrigo da Cunha Pereira. Direito de família e o novo código civil. 3ª Edição. Belo Horizonte: Editora Del Rey. 2003;
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 24ª Edição. São Paulo: Editora Saraiva. 2009;
FIUZA, Ricardo. Novo código civil comentado. São Paulo: Editora Saraiva. 2003;
HIRONAKA, Giselda Maria F. Novaes. Estudos de direito civil. Belo Horizonte: Editora Del Rey. 2000;
LÔBO, Paulo. Famílias. São Paulo: Editora Saraiva. 2008;
PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil. Rio de Janeiro: Editora Renovar. 2002;
COSTA, Judith Martins. A reconstrução do direito privado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2002;
TAPAI, Giselle de Melo Braga (coordenação). Novo código civil brasileiro. 3ª Edição. São Paulo Editora Revista dos Tribunais. 2003;
TEPEDINO, Gustavo. A parte geral do novo código civil. Rio de Janeiro: Editora Renovar. 2002;
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil. 5ª Edição. São Paulo: Editora Atlas. 2005;
Edição. Belo Horizonte: Editora Del Rey. 2003;