Por fim, o atual art. 287, com a nova redação que lhe deu a lei 10.444/02, prevê a possibilidade de incidência de pena pecuniária para o caso de descumprimento da sentença ou da decisão antecipatória de tutela.
Todas as providências legais aqui elencadas são de natureza processual, isto é, viabilizam a realização de algum direito material ameaçado de lesão.
Com exceção do disposto no art. 75, que deveria ser interpretado extensivamente, não havia no Código Civil de 1916 mecanismos de coerção voltados para a tutela dos direitos da personalidade.
Não obstante, a ausência de dispositivos específicos para a proteção daqueles direitos a Lei de Introdução ao Código Civil previa em seus artigos 4º e 5º a aplicação da analogia, costumes e princípios gerais de direito, bem como o atendimento, por parte do juiz, aos fins sociais a que a lei se dirige e às exigências do bem comum.
Com o advento do Código Civil de 2002 e a mudança da mentalidade patrimonialista para a mentalidade existencialista (Perlingieri, 2002), que fará com que a leitura dos institutos do Direito Privado seja feita não de maneira egoísta, individualista ou voluntarista, mas sob a perspectiva socializante, foram previstos, através de cláusulas gerais inseridas no capítulo II do Livro I da Parte Geral, dispositivos específicos que cuidam dos chamados direitos da personalidade.
Vale lembrar, que o papel das cláusulas gerais é o de dar abertura para a interpretação dos dispositivos, a partir de conceitos normativos e jurídicos indeterminados, fazendo como que a jurisprudência diga, no momento de aplicação da norma, a maneira mais adequada de sua interpretação.
O art. 12 do novo codex é expresso ao afirmar:
Já o art. 20 assim disciplina:
Por fim, o art. 21 também expressa:
“A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma”. (grifo nosso)
Algumas condutas que estão descritas nos dispositivos mencionados, tais como “cessar a ameaça”, “proibir a requerimento da parte”, “impedir ou fazer cessar” certamente são condutas que estão direcionadas a inibir alguém, que está na iminência de lesionar algum direito da personalidade de outrem.
Lorenzetti (1998) explica que:
“nos direitos fundamentais há um tempo próprio e distinto daquele previsto nas tradicionais formas de ação e da proteção substantiva; estão vinculados à situação existencial do indivíduo. A proteção ressarcitória colide com a situação contextual e, não a modificando, é distorcido o resultado definitivo do processo”.
Percebe-se da leitura dos dispositivos acima mencionados que a preocupação do legislador de 2002, no que diz respeito aos direitos da personalidade está muito mais voltada para sua prevenção do que para a reparação no caso de dano.
Segundo Miguel Reale, presidente da comissão revisora do projeto que deu origem à lei 10.406/02, “merece encômios essa providência de incluir disposições sobre os direitos da personalidade, uma vez que a pessoa é o valor-fonte de todos os valores jurídicos”. (grifo no original).
Segundo Perlingieri (2002):
Existe uma diferença ente o poder de agir em juízo para pedir que o dano que já se sofreu seja ressarcido (ação de perdas e danos) e o poder de obter que a atividade danosa cesse e que não provoque danos ulteriores; esta ação (azione inibitória) não pode ser limitada às hipóteses típicas, mas é um instrumento geral de tutela.
2.4 –A tutela inibitória como mecanismo de proteção dos direitos da personalidade.
Sob a ótica do Direito Público, o processo é visto como meio ou instrumento de pacificação social. É em face do Estado que se propõe uma demanda na medida em que ele (Estado) ao assumir o monopólio da jurisdição trouxe para si a incumbência de realizar aquela pacificação. Daí algumas características da jurisdição como secundária, instrumental, substitutiva, provocada e etc (Júnior, 1993).
Sob o prisma do Direito Privado, o processo é o instrumento de realização de um direito material, que diz ter sido violado ou está ameaçado de violação e que a parte quer ver restabelecido ou preservado pelo causador do ilícito.
Aqui é necessário distinguir as medidas cautelares das medidas antecipatórias. Se a providência que se quer realizada visa a acessoriedade do processo, fala-se, então, em medidas cautelares. Estas tendem a conservação do provimento final a ser tutelado à parte.
Quando é o próprio direito material que é antecipado fala-se, assim, em antecipação de tutela.
Quando se fala em provimento cautelar ou provimento antecipatório tem-se a idéia de alguma medida judicial a ser tomada antes mesmo do desfecho do processo. São medidas incluídas no gênero “medidas de urgência” (Dinamarco, 2003).
Entretanto, o art. 461 do CPC assim descreve:
“Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento”.
Já o § 7º do art. 273 prevê:
“Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado”.
Conjugando os dois dispositivos pode-se concluir que o juiz poderá, desde que presentes os requisitos, antecipar total ou parcialmente os efeitos da tutela pretendida, mesmo que essa tutela tenha natureza cautelar. É o que a doutrina denomina de fungibilidade entre medidas cautelares e antecipatórias (Dinamarco, 2003).
Já foi dito que a mudança da centralidade para a dignidade da pessoa humana altera valores e princípios e demonstra a necessidade de tutela efetiva do ser humano e não somente de seu patrimônio (Lorenzetti, 1998).
Além da dignidade da pessoa humana, erigida a fundamento da República no art. 1º, III, outras cláusulas como a de solidariedade social, a erradicação da pobreza e a da redução das desigualdades sociais, inseridas no art. 4º, I e III do Texto, dão abertura como forma e instrumento de realização e promoção do ser humano como “valor máximo” do ordenamento (Tepedino, 2001).
A jurisdição para ser efetiva e acessível deverá ser realizada como “instrumento promotor e garantístico da justiça material” (Nogueira, 2003). Mas essa realização deverá ser feita não somente a partir do novo ordenamento civilístico, mas, sobretudo, retirando da taxonomia constitucional seus verdadeiros valores e princípios. E, é através da função ordenadora desses princípios constitucionais, que se revela a nova idéia de direito (Carvalho, 2003).
Por fim, vale dizer, que será a partir do princípio constitucional da dignidade, que se terá uma tutela geral da pessoa humana (Moraes, 2003).
3 – Conclusão
Do que foi exposto no presente trabalho pode-se extrair as seguintes conclusões:
Os direitos da personalidade não podem aguardar o desfecho de um processo para, só então, serem efetivamente tutelados. Ao contrário, necessitam ser tratados de forma preventiva, porque lidam com interesses existenciais do indivíduo e não com seu patrimônio.
Vida, liberdade, integridade física e moral, imagem, nome, recato, são interesses existenciais que precisam ter tratamento diferenciado daquele dispensado aos direitos patrimoniais pela pandectista alemã.
Em nosso ordenamento, já existe a possibilidade da ação inibitória que independente de sua qualificação doutrinária, tem previsão expressa no art. 461 do CPC.
Com a possibilidade de antecipação de tutela prevista no art. 273, mesmo em se tratando de provimento de natureza cautelar, consoante dispõe o § 7º daquele dispositivo, poderá ser requerido antecipadamente a cessação de qualquer ameaça a direitos da personalidade.
Já o art. 287 do diploma formal, com a nova redação que lhe foi dada pela lei 10.444/02, consolida a cominação de pena pecuniária para o caso de descumprimento da decisão antecipatória de tutela.
Não bastassem tais dispositivos, o novo codex prevê, através das cláusulas gerais dos arts. 12, 20 e 21 medidas coercitivas que poderão ser requeridas de forma preventiva e que tutelarão de maneira eficaz os direitos da personalidade.
Por fim, conclui-se que será a partir do princípio constitucional da dignidade, independente de previsão de qualquer fattispecie, que se terá uma tutela geral da pessoa humana e de todos seus prolongamentos.
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*Artigo publicado na Revista Jurídica da Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais do Instituto Vianna Júnior – Pórtico Jurídico, Ano V, Número 05 (2005)