Em tempos de pandemia e isolamento subordinados à transmissão viral e ao impacto econômico causado, é possível que fórmulas jurídicas sejam apresentadas como capazes de solucionar impasses e incertezas e trazendo resultados econômicos aos atores envolvidos. Porém, é preciso cautela ao aplicar inadvertidamente institutos jurídicos como soluções mágicas.
Assim é a proposta atual de aplicação generalizada do artigo 486 da Consolidação das Leis do Trabalho, visando minimizar os custos rescisórios para os empregadores e imputando tais encargos aos entes públicos onde estão situadas as empresas. Numa primeira leitura, as consequências da edição da lei 13.979/20 poderiam se enquadrar como fundamento básico e inicial para aplicação do mencionado dispositivo.
Diz o artigo 486 que no caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável.
Contudo, de início é preciso registrar que o artigo 486 da CLT prevê que a responsabilidade do Poder Público, se houver, estará restrita à indenização da multa do FGTS (40%) e não ao pagamento de salários e demais verbas contratuais, como férias e 13º salário, como amplamente vem sendo veiculado em redes sociais, trazendo confusão e desinformação aos leitores que, na maioria das vezes, são tecnicamente leigos no tema.
Ademais, a questão a ser apurada é quanto a responsabilidade dos entes federativos (União, Estados e Municípios) em decorrência de atos por eles emanados que porventura possam impossibilitar ou inviabilizar a atividade econômica. Há quem sustente que estaríamos diante do instituto do “fato do príncipe”, não raras vezes aplicado em sede administrativa e tributária.
O “fato do príncipe” é a capacidade que detém o poder público de alterar unilateralmente os contratos administrativos ou a consequência de condutas do ente estatal capaz de gerar um desequilíbrio econômico-financeiro em detrimento do contratado.
Não há dúvida de que a pandemia de Covid-19 se encaixa numa espécie do gênero força maior, conforme definição prevista no artigo 501 da CLT, assim como no art. 397 do Código Civil, o que de per si, já afasta a aplicação e a incidência da pretendida disposição do artigo 486 da CLT.
Nessa esteira, quando o Judiciário apreciar essas ações, deverá considerar que o artigo 486 da CLT não é aplicável à situação ora vivenciada, pois o ato governamental de determinação de quarentena e consequente paralisação de atividades, se mostra plenamente justificável face ao surto da Covid-19 em escala mundial, cujo alvo é a saúde pública, bem maior que atinge a comunidade como um todo. Não há distinção dos destinatários das medidas sugeridas pela Organização Mundial de Saúde.
De igual modo, a hipótese prevista no art. 486 da CLT, que agasalha várias interpretações, ao nosso ver, de extremo risco ao Empregador, foi de certo afastada pela edição da Medida Provisória 927/2020 que, ao reconhecer, dentre outras coisas, as medidas de combate à pandemia, trouxe a tal situação vivenciada o rótulo de “força maior”, face a perspectiva do Direito do Trabalho e seus reflexos.
Tais medidas se apresentaram como respostas das autoridades públicas em combate aos efeitos das paralisações previstas na Lei 13.979/2020 que, repita-se, se enquadra em circunstância de força maior.
Ademais, o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho é de interpretação restritiva em enfrentamento ao artigo 486 da CLT e ao denominado “fato do príncipe”,jamais tendo enfrentado tal aplicação em consonância a situação ora vivenciada em nosso país, que se enquadra seja por força normativa, seja por análise doutrinária em típico caso de força maior.
Desta feita, como dito, a jurisprudência é restritiva sobre o tema, ou seja, somente se aplicando o artigo 486 da CLT, quando houver previsibilidade do fato que originou a suspensão parcial ou total da atividade, diferentemente do momento atual.
O que se extrai com induvidosa certeza, é que a pandemia do Coronavírus, além do surto viral e de mudar a vida das pessoas, certamente provocará também um surto de ações e demandas na via judicial e administrativa.
Por certo que, em momento próprio, a análise do instituto aplicável ao dispositivo deverá ser apreciada pelos tribunais. A sugestão é de que todo cuidado é pouco. A aplicação de teorias e fórmulas mágicas para soluções jurídicas não costumam ser confirmadas pelas instâncias superiores.
*Artigo publicado por Valério Ribeiro e Bruno Goldner na edição nº359 da Revista Em Voga.
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