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19 de February de 2024

De quem é a Culpa?

É questão recorrente nos tribunais e no universo da assistência à saúde, investigar a quem cabe a responsabilidade diante de um evento adverso, sobretudo pela quantidade de atores envolvidos. Hospital, prepostos, médico, equipe, operadora, ente federativo, terceiros, etc, são partes diretamente ligadas aos procedimentos e que poderão sofrer algum tipo de resposta pecuniária decorrente de comportamento culposo no atendimento assistencial.

Imaginemos uma hipótese de alguma intercorrência que por ventura tenha sido praticada por um médico ou membro da sua equipe, contratados por alguma operadora de saúde que demorou para liberar o atendimento solicitado, especialmente quando o fato ocorreu nas dependências de determinado hospital privado. Ou ainda um evento cujo atendimento se deu no âmbito da saúde pública, em que não se consegue identificar a quem recorreu na busca por atendimento. De quem é a culpa?

Na esfera criminal, por analogia, para citar um exemplo de como um ilícito penal poderá sofrer desdobramentos quanto aos agentes que serão penalizados, a lei descreve que quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.

Medir a culpabilidade no âmbito penal é tentar quantificar o grau de participação de alguém na prática de um determinado crime. Isso irá influenciar diretamente na dosimetria da pena (tempo de prisão, se for o caso) que o criminoso irá sofrer por ter participado e cometido o delito.

Na esfera civil, objeto de análise do presente texto, a situação de um ilícito em saúde não difere muito daquela observada no âmbito criminal, ao menos quanto a responsabilização do agente. A participação de cada um no evento poderá ser mitigada ou mesmo restringida se for demonstrado que o agente não foi o responsável ou teve participação mínima no ato danoso.

Sabemos que as pesadas indenizações são pleiteadas em resposta às situações adversas passadas pelos pacientes durante os atendimentos e procedimentos, que terão como consequência danos físicos e emocionais que poderão perdurar por toda vida. Os processos levados aos tribunais muitas vezes propõem envolver os hospitais e as operadoras, pressupondo que deverão ser solidários para arcar com o devido ônus em questão.

É preciso cautela e prudência no exame das situações e avaliar se de fato os elementos da responsabilidade civil estão presentes e se há provas suficientes que indiquem e impliquem quem de fato foi o causador do dano.

Também é preciso cuidado, pois, mesmo que a ação seja direcionada corretamente para um dos legitimados, os demais, isentos de responsabilidade, terão o direito de perceber honorários de sucumbência por terem saído vitoriosos da demanda. Se o paciente “X” aciona o médico “A”, o hospital “B” e o plano de saúde “C”, constatada apenas a responsabilidade do profissional da saúde, os demais estarão isentos de indenizar e seus respectivos advogados receberão a sucumbência do autor da ação (paciente “X”).

Ademais, sobre a responsabilidade civil, é preciso apontar que culpa e risco serão apreciados de acordo com o caso. Médicos e dentistas, regra geral, serão avaliados dentro da responsabilidade subjetiva. Hospitais e prepostos, regra geral, dentro da responsabilidade objetiva. União, Estados e Municípios também serão avaliados também dentro da responsabilidade objetiva.

 


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A concorrência de culpa e o grau de participação poderão ser decisivos para a resposta pecuniária. Não obstante, em regra, a solidariedade havida entre as partes, em alguns casos a resposta pecuniária poderá sofrer mitigação ou exclusão a depender do grau de participação de cada uma no evento danoso.

Por outro lado, poderão ocorrer acidentes inesperados ou reações produzidas pelo organismo do paciente que fogem à regra, à previsão, inclusive provocadas por medicamentos, que no momento do atendimento ou na sua fase posterior vieram à tona e acabaram interferindo no cenário que se mostrava favorável até aquele momento. Em outras palavras, mesmo prevendo que a situação poderá ocorrer e logicamente não a desejando, haverá hipóteses que desaguarão na incapacidade do profissional de controlar o resultado pretendido.

Diante de uma realidade com este teor e de um universo incalculável de situações e possibilidades, caberá ao judiciário clarificar o que de fato tenha ocorrido, avaliando o contexto probatório e dando a melhor resposta ao caso apresentado. O julgador jamais irá se ater à primeira impressão pois, muitas vezes, existem detalhes que só serão efetivamente desvendados diante de uma completa varredura dos fatos a serem esclarecidos durante a instrução processual (fases do processo).

Neste contexto, uma questão merece atenção especial. O hospital deverá arcar com eventual parcela de culpa já que sua relação com o médico se fez restrita como local para atendimento clínico ou cirúrgico? Até que ponto, de fato, o hospital poderá ser inserido num eventual processo se o seu papel se limitou a servir como espaço físico para que o atendimento médico pudesse ser prestado? Mesmo em casos de profissionais que costumam atuar de maneira autônoma, é possível reconhecer a solidariedade na condenação.

Quando entendemos que médico e hospital fazem parte do mesmo contexto fático e se for comprovado que a queixa do paciente é legítima e amparada na legislação, tendo sido demonstrados os requisitos do ato ilícito (ação, nexo de causa e dano), ambos deverão arcar, de maneira solidária, com a indenização devida ao paciente. Se haverá direito de regresso entre eles, o paciente receberá de um, de alguns ou de todos (solidariedade passiva).

A conclusão que se chega é a de que muitas ações propostas envolvendo a área da saúde, inadvertidamente rotuladas como “erro médico”, possivelmente teriam interpretação diversa se tivessem sido avaliadas por alguém isento e com capacidade para revelar a verdade dos fatos.

A responsabilidade civil do hospital e de seus prepostos é objetiva e solidária, cabendo o dever de indenizar quando presente a atividade de risco causadora de um dano ligado por um nexo de causa. A responsabilidade do profissional liberal, com raras exceções, somente será apurada mediante a verificação de culpa cujo ato também deverá estar ligado diretamente ao resultado danoso. Os entes federados, União, Estados e Municípios, atuantes no sistema público de saúde, responderão de maneira objetiva e solidária pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros. Culpa e risco caminham lado a lado. É preciso saber identificá-los.

 

*Artigo publicado por Valério Ribeiro na edição nº404 da Revista Em Voga.

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