Uma questão que tem sido bastante discutida em tema de saúde é a respeito da possibilidade da atuação por profissionais não médicos em atos típicos de profissionais da medicina. Um exemplo do que se afirma se dá na área oftalmológica, em que optometristas e ópticos práticos realizam exames e consultas, prescrevendo lentes e óculos, não raras vezes usurpando a função médica.
Hoje, no Brasil, há mais de 1,2 milhão de cegos. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que entre 60% e 80% dos casos de cegueira são evitáveis e/ou tratáveis. Isso significa que quase 700 mil brasileiros que são cegos poderiam estar enxergando se tivessem recebido tratamento adequado e em tempo adequado. Por isso, o acesso ao atendimento médico oftalmológico é decisivo para alterar as condições de saúde ocular do povo brasileiro. Em 2.020 estima-se que existirão no mundo 75 milhões de pessoas cegas e mais de 225 milhões de portadores de baixa visão.
Ainda de acordo com os dados, 90% dessas pessoas cegas e portadoras de baixa visão são habitantes dos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. No entanto, entre 60 e 75% desses casos de cegueira e baixa visão são evitáveis e/ou curáveis. Segundo pesquisa realizada no Brasil pelo Instituto Penido Burnier, apesar de 77% dos brasileiros afirmarem que a visão é um sentido muito importante, quando se trata de cuidados com a saúde ocular, a maioria das pessoas, entre 25 e 65 anos, desconhece a importância disso.
Combater a cegueira evitável é uma questão de cidadania. Mesmo quem não tenha doenças oculares ou não use óculos para corrigir problemas de miopia, astigmatismo ou hipermetropia deve visitar o oftalmologista e fazer exames de vista, pelo menos, uma vez por ano. A pesquisa aponta que embora 64% das pessoas tenham alguma dificuldade de enxergar, metade delas não faz nenhum acompanhamento oftalmológico anual. Acredita-se que isso se deve ao fato de que 47% delas acreditam que os problemas visuais são percebidos logo que aparecem, o que consiste em um grande erro, pois a grande maioria dos problemas oculares possuem inicio assintomático e evolução insidiosa, ou seja, o paciente só sente os primeiros sintomas nos estágios avançados destas doenças.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), 43% dos problemas visuais, em países em desenvolvimento, são causados por erros refrativos não corrigidos e 80% de todas as deficiências visuais podem ser evitadas ou curadas. Segundo pesquisa do IBGE, 80% dos 24,6 milhões de pessoas que possuem alguma deficiência, no Brasil, são cegas ou possuem baixa visão.
É interessante dizer que a maioria dos casos de cegueira poderia ter sido evitada se o diagnóstico fosse feito com antecedência. Procedimentos como exames clínicos e aferição de pressão intraocular podem detectar eventuais alterações da visão, em consultas com o oftalmologista que, segundo recomendações de especialistas, devem ser realizadas, no mínimo, anualmente.
Por outro lado, é bom que se diga que as profissões de optometria e óptico prático estão regulamentadas em nosso ordenamento jurídico através dos Decretos 20.931/32 e 24.492/34. Referidos diplomas legais estão em pleno vigor já que o Decreto 99.678/90 que os revogaria foi suspenso pelo Supremo Tribunal Federal por vício de inconstitucionalidade formal.
Os Decretos 20.931/32 e 24.492/34 informam, portanto, o que pode e o que não pode ser feito por esses profissionais. Dentre as proibições estão a de realizar exames e consultas ou prescrever a utilização de óculos e lentes, cujos atos são privativos de médico.
Porém, com a entrada em vigor da Portaria 397/2002 do Ministério do Trabalho e Emprego a questão se tornou tormentosa, já que inseriu no ordenamento jurídico um conflito aparente de normas, permitindo aos optometristas e ópticos práticos a prática dos atos acima mencionados. Apesar da portaria ser um ato normativo secundário, não tendo o condão de revogar as espécies normativas descritas no artigo 59 da Constituição Federal, ela tem sido utilizada como fundamento para amparar e descrever a atuação daqueles profissionais.
A questão se torna ainda mais grave na medida em que colocar a saúde ocular da população nas mãos de um profissional não médico denota um risco de não serem identificadas mais de 3.000 doenças passíveis de acometer o globo ocular. Catarata, glaucoma, retinopatia diabética, degeneração macular relacionada à idade, doenças infecciosas córneo conjuntivais, pterígio, ceratocone, toxoplasmose ocular, hemorragias vítreas, descolamento do vítreo são exemplos do que se afirma.
Além disso, a avaliação ocular não médica poderá traduzir ao paciente a sensação de ter sua saúde visual avaliada, quando, na realidade, outras patologias distintas da avaliação de grau poderão lhe acometer.
A questão vem sendo discutida no Supremo Tribunal Federal, através da ADPF ADPF (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental) sob o nº 131, onde o Conselho Brasileiro de Optometria – CBOO visa a declaração de inconstitucionalidade dos Decretos nº 20.931/1932 e 24.492/1934, com a consequente declaração de Constitucionalidade da Portaria 397/2002 do Ministério do Trabalho e Emprego.
Enquanto não definida a questão pela mais alta corte, o Superior Tribunal de Justiça já se posicionou no sentido de que os optometristas e ópticos práticos não poderão praticar atos privativos dos médicos oftalmologistas, tais como adaptar lentes de contato e realizar exames de refração, ou de vistas, ou teste de visão. Muito mais do que uma questão legal, a atuação por profissionais não médicos usurpando a função poderá traduzir em uma questão de saúde pública.
*Por: Valério Augusto Ribeiro – Advogado e Consultor Jurídico do Escritório Valério Ribeiro Advocacia;
Carlos Henrique Vasconcelos de Lima – Médico Oftalmologista e Presidente da Associação Paraense de Oftalmologia.
Publicado na edição nº 304 da Revista Em Voga – Novembro de 2015
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