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1 de March de 2021

INDIVÍDUO E SOCIEDADE

Uma das grandes dicotomias havidas no ramo do Direito é a que divide a análise dos fenômenos jurídicos sob o aspecto individual e sob o aspecto coletivo. Assim como analisamos Direito Natural e Direito Positivo, Direito Público e Direito Privado, a percepção dicotômica acima apontada foca nos aspectos da singularidade pessoal e de sua união nos ambientes coletivos.

Viver em sociedade denota abrir mão de certas vontades pessoais em prol do respeito à uma vontade coletiva de outros indivíduos que, por maioria, resolvem consensualmente como as coisas deverão fluir no ambiente social. O processo político é exemplo desse fenômeno.

Há, porém, um ponto de equilíbrio que precisa ser observado por todos. Sempre que privilegiamos a liberdade individual, conduzindo ao extremo a vontade de uma pessoa, considerada atomisticamente, corremos o risco de extremar direitos, a ponto de um indivíduo, que nasceu com a conformação masculina, se dizer mulher e querer respeito em função de sua vontade. A disforia de gênero é prova de que nem sempre corpo e psique caminham em sintonia plena.

Na outra vertente, todas as vezes que colocamos o corpo coletivo ditando regras e valores que desconsideram por completo as vontades individuais e as liberdades humanas, embarcamos em alguma espécie de totalitarismo em que, regra geral, os fins justificam os meios. Não por acaso a Alemanha de Hitler foi o local onde mais se aprofundaram os chamados Direitos da Personalidade. “Tu és nada, tua pátria é tudo”, dizia a lei do Reich alemão.

Voltando ao primeiro exemplo, ao permitir que um indivíduo, que nasceu com a conformação masculina, dispute uma prova olímpica feminina, por se dizer ou entender desse sexo, geramos um desequilíbrio às demais mulheres, que de fato sentirão o peso de disputar uma prova com alguém cuja formação física e a capacidade de força seja superior, ao menos sob o aspecto desportivo.

É preciso cuidado e prudência ao tratar os desiguais com amplitude ilimitada de direitos. Todos, sem exceção, precisam entender que viver em sociedade denota direitos individuais, porém, com respeito às liberdades alheias. Não significa que as minhas liberdades deverão ser respeitadas sempre, de maneira incondicional, sob pena de se criar uma anarquia incontrolável, incapaz de dar harmonia no ambiente coletivo.

Permitir que pessoas que discordam de sua formação genética participem de eventos desportivos com pessoas do outro sexo, porque aquelas discordam do corpo com o qual nasceram, poderá trazer significativa desvantagem às demais participantes, gerando um desequilíbrio em um ambiente plenamente plural.

O equilíbrio de qualquer convívio perpassa pelo respeito às individualidades. As diferenças precisam ser vistas como particularidades que clamam respeito. Porém, para aquele que exige o respeito, deverá haver o limite de sua vontade, sobretudo nas situações em que sua exigência se converta em algum tipo de vantagem sobre as demais pessoas. “Pluralidade é a lei da terra” (Hannah Arendt).

*Artigo publicado por Valério Ribeiro na edição nº368 da Revista Em Voga.

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