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26 de September de 2022

O FUTURO DA MEDICINA E A MEDICINA DO FUTURO

É inegável que as inovações tecnológicas avançam por todos os setores de atividades desenvolvidas pelo ser humano. Não há como viver ou sobreviver alijado das conexões digitais, da internet das coisas e da inteligência artificial, apenas para citar três exemplos. E a medicina? O que esperar dos avanços com foco na saúde e no bem-estar individual? Como será o futuro da medicina e como será a medicina do futuro? Buscamos nesse texto aproximar um pouco mais nosso leitor da resposta a essa grande indagação.

A Telemedicina já é uma realidade e ganhou força com o processo pandêmico. O atendimento remoto traduz em melhoria assistencial e encurta distâncias para atendimento em áreas de difícil acesso. Médico e paciente, uma vez conectados, realizam consultas e dão prosseguimento a tratamentos sem precisar de encontros presenciais. O grande desafio para esse avanço tecnológico é contar com uma internet de qualidade nos rincões de um país de dimensões continentais como o Brasil.

Porém, já tivemos oportunidade de dizer em outro texto que no atendimento remoto sobra responsabilidade para o médico e isenção para as operadoras, hospitais e demais atravessadores da relação médico/paciente. É que, na visão do Conselho Federal de Medicina, o responsável de fato pelas informações do paciente é o médico assistente que realizou o atendimento. É possível perceber que o suposto atendimento a distância é apenas um dos elementos desse tipo de serviço, estando também inclusos o armazenamento, a transmissão, a guarda, o sigilo, a perda e o extravio de dados, consoante descreve a Lei Geral de Proteção de Dados.

Toda a cadeia de serviços que se inicia a distância e se dissipa pelos meios eletrônicos passa a ser responsabilidade do médico assistente, que primitivamente examinou o paciente e que agora passará a ser o responsável por toda a extensão eletrônica possível de seu atendimento.

Por outro lado, a inteligência artificial também já é realidade nos ambientes de saúde. Consultórios, clínicas e hospitais já contam com a IA na marcação de consultas e exames, na automação dos processos, na interpretação de dados dos pacientes e na tomada de decisões de tratamento por parte de seu médico assistente.

A IA na área da saúde auxilia e utiliza computadores e programas aptos a apresentar e sugerir soluções para tratamentos médicos. Através da análise de dados e algoritmos e de plataformas de informação, a eficiência matemática dessa ferramenta traduz a ideia de que um número significativo de casos com determinado desfecho poderá ser a melhor resposta a dar a um paciente com sintomas semelhantes a outros já tratados.

Nada obstante, é preciso cuidado. A medicina já passa por uma desumanização ao acelerar processos de atendimento e o distanciamento gera uma depreciação ainda maior da relação médico-paciente. Escutar e auscultar é trabalho médico investigativo de aproximação do histórico de saúde de seu assistido, mesmo daquele cujo prontuário eletrônico já esteja armazenado na nuvem. Não raras vezes a melhor resposta está por traz de um quadro emocional incapaz de ser detectado por máquinas e por programas de computador.

A internet das coisas, por sua vez, associada ao machine learnig, coletam informações, interpretam dados e refinam a melhor resposta diagnóstica baseada em grupos de casos típicos. Presumem matematicamente, também por meio de algoritmos, que a melhor resposta assistencial tende a ser aquela cujo maior número de pacientes, a ela submetida, desenvolveu melhor quadro de melhoria.

No monitoramento do paciente, palmilhas, relógios e lentes de contato fazem leitura ortopédica, avaliação cardíaca na medicina desportiva e verificam indicadores iniciais de câncer e taxa de açúcar no sangue a partir de uma lágrima. A lógica na saúde parece ser a lógica de quem usa máquina e IA em substituição ao cérebro e a inteligência humana.
Em contrariedade a tudo o que se disse acima, também já tivemos oportunidade de afirmar que a grande preocupação do mercado é a melhoria do atendimento da saúde baseada em valor, traduzindo nesse conceito a ideia de que os profissionais deverão melhorar seu atendimento e comprovar essa melhoria com capacitação e índices de acreditação e de qualidade.
Também já dissemos que o mesmo mercado responsável pela desumanização da medicina agora afirma que sua re-humanização deverá partir do médico assistente, ao promover sua melhoria através de valor e qualidade assistencial. Vale dizer: o mercado que retirou a remuneração profissional e que agora substitui médicos por máquinas diz que esse profissional precisa se qualificar ainda mais para entregar uma medicina que, segundo ele, não é de alto valor.
De tudo que se disse, podemos concluir que os avanços tecnológicos e as ferramentas disponíveis apontam para uma automação e um descarte gradual do profissional da medicina. A ideia de substituição de mão de obra especializada por máquinas e profissionais de menor custo parece ser a tônica.
O discurso da medicina baseada em valor tendencia a desviar a realidade. Máquinas e programas digitais esfriam ainda mais a relação médico paciente e transporta o profissional para um deserto dissociado do calor de um atendimento. Esse parece ser o futuro da medicina.
Re-humanizar a atividade médica não significa desprezar as ferramentas tecnológicas. Significa reaproximar as partes envolvidas e trazer humanidade na relação sem se descurar das vantagens que o mundo digital poderá proporcionar.
Se é certo que a medicina do futuro perpassa por tecnologia e transmissão de dados digitais, certo é, também, que o futuro da medicina sinaliza para um médico mais preocupado em ouvir seu assistido. Não importa a distância ou as ferramentas de trabalho. Importa mais a humanidade do atendimento e o altruísmo da profissão.
*Artigo publicado por Valério Ribeiro na edição nº386 da Revista Em Voga.

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