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12 de maio de 2016

A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE

O Estado tem condições de cumprir com seu papel de provedor de acesso à saúde de forma universal e igualitária


A Constituição Federal de 1988 está à volta de completar, no próximo dia cinco de outubro, um quarto de século de sua promulgação e com ela a criação do SUS – Sistema Único de Saúde. Dentre suas importantes missões está, portanto, a proporcionar a todos os cidadãos o direito e o acesso à saúde, conforme se descreve no artigo 196 do Texto Constitucional. A saúde é, constitucionalmente falando, um direito de todos e um dever do Estado.

Porém, vivemos a era dos direitos, na visão de Norberto Bobbio, e uma das questões primordiais, segundo o saudoso filósofo de Turim, que também era filho de médico, não é o de reconhecê-los, mas, o de implementá-los. Trata-se, portanto, de um problema não filosófico, mas, político. Não há falta de normas positivadas, mas, de possibilidade política de atendimento.

A questão que se coloca é se de fato o Estado tem condições de cumprir com seu papel de provador de acesso à saúde, de forma universal e igualitária. De um lado, a corrente a favor dos direitos individuais, propensa a deferir medidas de urgência em favor daqueles que buscam tratamento para suas enfermidades. De outro lado, a corrente publicista, que invoca a Teoria da Reserva do Possível, no sentido de que o Estado não tem condições de atender a todos e que a interferência externa do judiciário atrapalha a questão orçamentária.

Como exemplo, não são poucas as críticas ao Programa Mais Médicos, do governo federal, que enfrenta parte da questão importando médicos de outros países. Porém, o fará sem sequer validar seus diplomas ou mesmo aferir sua capacidade de atuação, se comparados aos médicos brasileiros, e se elas não estão de acordo com o Sinaes – Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior. Há quem sustente que o maior mérito do programa foi o de avivar a discussão que envolve o tema.

Para se ter uma ideia, os médicos provenientes de Cuba, oriundos da ELAM – Escuela Latinoamericana de Medicina, cumprem uma carga horária de internato de apenas 45 semanas, distribuídas em um ano, ao passo que os médicos formados no Brasil precisam passar cerca de dois anos, distribuídos em 2.700 horas de estágios e internato. Se formamos cerca de 16.000 médicos por ano, de acordo com a matéria publicada no Portal Médico, por que importar 5.000 que sequer terão seus diplomas validados? A medida soa paliativa, quando o enfrentamento deverá ser feito de forma preventiva. Desnecessário dizer que prevenir é o melhor remédio.

Nesse matiz, muitas são as críticas ao Poder Judiciário, no sentido de que, ao deferir as liminares a tratamentos submetidos a seu crivo, estaria, não só interferindo na questão orçamentária, mas, também e principalmente, na tripartição dos poderes, também descrita em sede constitucional, conforme artigo 2º da CF/88.

Enquanto não se tem uma solução, que talvez seja utópica, tendo em vista a impossibilidade de onipresença do Estado, em suas três esferas de descentralização, as questões serão sim submetidas ao Judiciário, que é o detentor da última palavra, quando o cidadão esteja diante de uma lesão ou a ameaça de um direito, conforme artigo 5º, inciso XXXV da Carta Política. Qual direito? O direito social à saúde, de forma universal e igualitária, conforme descrevem os artigos 6º e 196 da Constituição da República.

Nem se diga que as tutelas de urgência deveriam aguardar o desfecho do contraditório e da ampla defesa, para serem então deferidas, já que, as questões submetidas ao judiciário envolvendo a saúde, regra geral, tratam de patologias que sequer poderão aguardar horas para autorização do tratamento.

Talvez a Teoria da Reserva do Possível, de matriz alemã, deveria ser debatida com a avaliação da prioridade do atendimento, para ser identificar quem pode e em que momento obter seu tratamento.

Porém, é bom que se repita que estamos diante de questões que não podem aguardar o desfecho de uma ação judicial ou mesmo administrativa para obter uma resposta estatal, sob pena de se fazer letra morta, aqueles direitos duramente conquistados a partir da Declaração Universal 1948. Não por acaso a Declaração da ONU completará 65 anos no próximo dia 10 de dezembro com assertiva de que todos nascem iguais em dignidades e direitos. Falta apenas implementá-los.

*Artigo publicado por Valério Ribeiro na edição nº278 da Revista Em Voga – Setembro de 2013

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