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13 de outubro de 2016

TUTELA INIBITÓRIA E DIREITOS DA PERSONALIDADE

Tutela Inibitória e Direitos da Personalidade
1. Direitos da Personalidade – 2. Tutela Inibitória – 3. conclusão. A Tutela Inibitória como mecanismo de proteção dos Direitos da Personalidade
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora; Professor de Direito Civil do Instituto Vianna Júnior, Coordenador do Curso Veritas – Preparatório para exame da OAB, MBA pela Fundação Getúlio Vargas – RJ.

Direitos da Personalidade e Tutela Inibitória
 
 
1. – Direitos da Personalidade
 
1.1 – Introdução
A grande preocupação do processualista moderno, sobretudo dos que vêem o processo como instrumento de realização da pacificação social, está voltada para os conceitos de acesso à justiça, efetividade e tempestividade (Cappelletti, 2002).
Como causas emergentes das preocupações acima apontadas podemos citar o desprendimento do direito formal e sua autonomia científica vivenciados durante os dois últimos séculos, a conclusão de que garantias formais em excesso podem levar à ineficácia processual, o apego exagerado a princípios e dogmas que acabaram por estrangular o desenvolvimento das demandas etc.
Ainda nesse matiz, outros fatores não tão próximos podem ser vistos como influenciadores. O maior nível de conhecimento das pessoas que buscam o Estado para a solução de seus conflitos, o aumento exagerado das relações de consumo e da contratação em massa, o êxodo rural, a favelização e o inchaço nos grandes centros urbanos, o reconhecimento e a positivação, por parte do Estado, de direitos dos cidadãos tais como criança, idoso, deficiente, consumidor, locatário, trabalhador etc (Bobbio, 1992).
Como corolário imediato temos uma justiça morosa, sobrecarregada, taxada de ineficiente e que muitas vezes não concebe ao jurisdicionado o que ela se propõe, a tutela jurisdicional.
Importante não confundir tutela jurisdicional com prestação jurisdicional. Esta é a que o Estado se propõe no momento em que trouxe para si o monopólio da jurisdição, com característica de substitutividade, e que todos podem exercê-la independente do direito material alegado. É, portanto, um direito de ação abstrato (Júnior, 1993).
Já a tutela consiste no “provimento jurisdicional que reconhece e resguarda in concreto o direito subjetivo da parte” (Júnior, 2002).
O presente trabalho tem por escopo analisar os mecanismos postos à disposição dos indivíduos não no que diz respeito à proteção de seu patrimônio, mas, sim, na proteção efetiva/preventiva de sua pessoa.
O norte seguido nesta pesquisa não é a reparação dos direitos violados após a lesão ocorrida, sob o binômio dano/reparação, mas o de demonstrar mecanismos de proteção contra os ataques perpetrados aos chamados direitos da personalidade, antes mesmo que eles ocorram, muito mais como forma preventiva do que reparatória, sob a perspectiva de um outro binômio, risco/prevenção.
Para tanto, será feita uma breve análise do conceito de direitos da personalidade, bem como da modificação do paradigma do patrimônio para a pessoa nos movimentos civilísticos modernos e da necessidade de prevenção na proteção daqueles bens.
Serão examinadas as atuais reformas em tema de processo no que diz respeito aos conceitos de efetividade, acesso à justiça, tutelas de urgência etc, bem como as cláusulas gerais inseridas no direito material que facultam ao indivíduo sua utilização no momento patológico.
Não se trata aqui de aprofundar nos conceitos de despatrimonialização, descodificação ou distinção dicotômica Público/Privado, mas de analisar a nova sistemática do Direito Privado apreciado à luz da normativa constitucional, pois esta é a grande responsável pela promoção e integração do ser humano (Tepedino, 2001).
Por fim, busca-se concluir que os chamados direitos da personalidade não podem aguardar todo o desfecho de um processo, para que se tenha uma resposta estatal na sua proteção efetiva.
A taxonomia do Direito Privado e, até mesmo, os novos dispositivos inseridos ou modificados no CPC, bem como a abertura do ordenamento constitucional para o conceito de dignidade da pessoa humana, já prevem os mecanismos mencionados alhures como forma perfeita de promoção do ser humano na práxis social.
1.2 – Breve relato sobre os direitos da personalidade.
Conceituar direitos da personalidade consiste numa tarefa não muito simples. Vale lembrar que as definições geralmente são tautológicas.
Entretanto, há um certo discernimento ao menos para alguns doutrinadores. Se buscar a definição sob a ótica do Direito Público tem-se as nomenclaturas direitos fundamentais, direitos do homem ou direitos humanos. Nesse aspecto a terminologia está muito mais ligada à proteção das liberdades negativas e à invocação dos direitos públicos subjetivos em face do Estado.
Sob a ótica do Direito Privado, a preferência se dá para o termo direitos da personalidade ou direitos personalíssimos, voltado mais para a preocupação da invocação de direitos subjetivos privados, ou seja, na proteção dos ataques perpetrados por outros indivíduos.
Norberto Bobbio ensina que: “Direitos do Homem são os que cabem ao homem enquanto homem”; “Direitos do Homem são aqueles que pertencem ou deveriam pertencer, a todos os homens, ou dos quais nenhum homem pode ser despojado”; “Direitos do Homem são aqueles cujo reconhecimento é condição necessária para o aperfeiçoamento da pessoa humana, ou para o desenvolvimento da civilização, etc., etc.” (Bobbio, 1992).
Na realidade implica, como critica Perlingieri, em perceber que seu conceito está muito mais inserido ora na concepção de um direito geral da personalidade, ora na existência de uma pluralidade de direitos da personalidade.
O Código Civil de 2002 classifica alguns direitos da personalidade nos arts. 11 a 21 tais como, o direito à vida, ao próprio corpo, à integridade moral, ao cadáver, ao nome, à imagem, ao recato, à liberdade, o direito moral do autor  etc (Fiuza, 2003).
Há um certo consenso doutrinário na caracterização dos direitos da personalidade como direitos personalíssimos, absolutos, inalienáveis, intransmissíveis, imprescritíveis e irrenuniciáveis (Berti, 1996).
São direitos que se voltam muito mais para a situação existencial do indivíduo do que para o seu patrimônio.
1.3 – Patrimônio X Pessoa
 
 
“A personalidade é, portanto, não um direito, mas um valor (o valor fundamental do ordenamento) e está na base de uma série aberta de situações existenciais, nas quais se traduz a sua incessantemente mutável exigência de tutela”.
De fato, como acentuado pelo autor italiano (Perlingieri, 2002), a mudança da mentalidade proprietária para a mentalidade existencialista irá se espraiar por todo o ordenamento e modificar os valores que serão seguidos pelo aplicador do direito.
É que a pessoa passa a ser o centro das realizações do homem não pelo fato de possuir bens ou riquezas, mas pelo simples fato de ser humano e de ser preeminente na hierarquia de valores (Berti, 1996).
Por outro lado, Lorenzeti ao afirmar que os direitos fundamentais (direitos da personalidade) estariam no centro de um novo sistema, numa metáfora comparativa de que seria o novo sol ao redor do qual giraria o ordenamento, deixa claro que não se trata de imaginar o homem como ser absoluto e excludente dos demais direitos (Lorenzetti, 1998).
O autor argentino quer fazer crer que a proteção do patrimônio, idealizada pela pandectista alemã após os movimentos setecentistas, necessária após as revoluções burguesas, deve ser superada, ao menos no que diz respeito ao tratamento dado à pessoa.
É que após as declarações universais de direito, responsáveis pelo modelo de estado democrático moderno, o homem passa a ser visto como centro de todo o direito (Nogueira, 2003).
1.4 – Prevenção, reparação e repressão.
Imaginar o homem sem convivência, eremita, isolado de todos, é imaginar o homem absolutamente fora do contexto social. Neste sentido não há como vincular a idéia de indivíduo ausente de relações com outros indivíduos.
Significa afirmar que para a convivência social é necessário que o limite e a individualidade de cada um não ultrapasse o limite e a individualidade do outro. Regra prática de convivência no sentido de que a liberdade de um termina onde começa a do outro.
Os fenômenos humanos, sob a ótica do direito, são tutelados de três formas distintas, quais sejam: prevenção, reparação e repressão.
A prevenção pode ser apreciada sob uma dupla perspectiva. Num primeiro aspecto consiste em que o ordenamento jurídico estabeleça normas de conduta (standards) que deverão ser acatadas por todos. É a chamada prevenção geral.
São normas impostas pelo Estado, através de um consenso comum (processo legislativo), que disciplina a vontade geral sobrepondo-se à vontade particular.
O segundo aspecto preventivo é o mecanismo colocado à disposição do jurisdicionado para que previna qualquer ilícito antes mesmo de sua ocorrência.
Neste segundo aspecto, ao tratarmos de direitos da personalidade vale lembrar que mais importante do que possibilitar sua reparação no momento patológico, é poder prevenir qualquer abuso por parte do ofensor, principalmente, no caso de ameaça.
Vale lembrar que “o conjunto de princípios e regras destinados a ordenar a coexistência constitui o aspecto normativo do fenômeno social” (Perlingieri, 2002).
Entretanto, uma vez violada a norma surge para o titular do direito ofendido a possibilidade de provocar o Estado (processo judicial), para que sua ofensa seja reparada. Essa reparação consiste em repor o patrimônio do titular no mesmo estado em que se encontrava no momento anterior à ofensa.
Segundo Clóvis do Couto e Silva, citado por Judith Martins Costa, “o dano é a diferença entre a situação patrimonial antes e depois da ocorrência do prejuízo” (Costa, 2002).
Por fim, em algumas lesões, sobretudo no aspecto penal, a ofensa extrapola a esfera individual e será o próprio Estado quem terá interesse em impor resposta ao ofensor. A repressão/sanção poderá corporificar-se em uma pena privativa de liberdade, em uma pena restritiva de direito, em uma pena de multa ou mesmo algumas delas cumulativamente.
Necessário dizer, que o direito penal, por seu caráter fragmentário e de intervenção mínima, preocupa-se somente em tutelar os bens mais importantes contra as ofensas mais graves. Em resumo, quanto mais disponível o bem tutelado menor o interesse do Estado em oferecer alguma resposta penal (Toledo, 1994).


2. – Tutela inibitória
2.1 – Efetividade do processo e acesso à justiça.
 
O processualista italiano Mauro Cappelletti, em sua obra Acesso à Justiça, aponta o que ele denomina no capítulo III de “as soluções práticas para os problemas de acesso à justiça” (Cappelletti, 2002).
Essas “ondas” (termo utilizado pelo autor) renovatórias do processo, em resumo, podem ser assim classificados: a facilitação de acesso do jurisdicionado pobre ao serviço público de justiça; a tutela de interesses coletivos e difusos propiciando que com uma única sentença se atinja um número grande de pessoas ou mesmo toda a coletividade; por fim, a de que faça com o que o juiz, ao presidir o processo, retire do ordenamento o máximo de efetividade sem apego exacerbado ao formalismo técnico.
Dissertando um pouco sobre a primeira “onda” pode-se dizer que boa parte das demandas não chegava aos tribunais. Quer por falta de recursos da parte que se sentia lesada, quer pelo valor da reparação não suportar as despesas judiciais e os custos de um advogado, quer pela falta de distribuição de justiça no sentido operacional, o cidadão simplesmente abria mão de seu direito.
Entretanto, nas últimas três décadas, algumas soluções foram implantadas pelos países mais avançados, no que diz respeito ao tema “Justiça”.
Entre nós, apenas para exemplificar, a lei 1.060/50, que estabelece normas para a concessão de assistência judiciária, disciplina em seu art. 2º que os nacionais ou estrangeiros que necessitem recorrer à justiça podem gozar dos benefícios da referida lei. Basta que a parte afirme sua impossibilidade de arcar com os custos e despesas processuais para que não tenha que suportar os encargos de seu ingresso em juízo.
Ainda nesse diapasão, a Constituição da República de 1988 consolidou a matéria no art. 5º, inciso LXXIV ao disciplinar a prestação de assistência jurídica por parte do Estado aos necessitados, erigindo, no art. 134, a defensoria pública como função essencial à justiça.
Entretanto, dentre os exemplos que podem ser citados talvez se sobressaia a lei 9099/95 na medida em que prevê, até mesmo, a dispensa de advogado para que o litigante busque seu direito.
Sob os princípios da oralidade, simplicidade, economia processual e celeridade a Lei dos Juizados Especiais prevê no art. 9º que a parte, nas causas de valor até 20 salários mínimos, poderá dispensar a assistência de um defensor técnico.
Tais soluções legislativas primam por possibilitar aos menos favorecidos a busca de seus direitos através do exercício da jurisdição eliminando assim a chamada demanda reprimida.
Sobre a segunda “onda”, que trata da tutela coletiva e difusa, cabe asseverar que a preocupação com o meio ambiente, consumidor, lisura no trato com a coisa pública, trabalhador etc, fez com que o processo ultrapassasse sua concepção tradicional deixando de ser “visto apenas como um assunto entre as partes” (Cappelletti, 2002).
A class action no direito norte-americano, permite que a ação vincule os membros de determinada classe (Cappelletti, 2002) independente de sua participação no litígio. Semelhante ao mandado de segurança coletivo previsto no art. 5º, LXX da Constituição de 1988.
Entre nós a lei 4.717/65 já permitia no art. 2º a anulação dos atos lesivos ao patrimônio público nos casos de incompetência, vício de forma, ilegalidade do objeto, inexistência dos motivos e desvio de finalidade.
Com o advento do Texto Constitucional a Ação Popular ganhou status constitucional e hoje é prevista no art. 5º, LXXIII, facultando a qualquer cidadão a anulação de atos lesivos ao patrimônio público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural.
Entretanto, talvez o maior mecanismo colocado à disposição do jurisdicionado em matéria de interesse difuso seja a Ação Civil Pública, que permite aos legitimados do art. 5º da lei 7.347/85, sobretudo o Ministério Público, propor ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, bem como a qualquer outro interesse coletivo ou difuso.
A importância dessa forma de tutela está no fato de que com uma única decisão prolatada em uma Ação Civil Pública se consiga atingir um número indeterminado de pessoas ou até mesmo toda a coletividade.
Por fim, a terceira e última “onda” a que se refere o autor italiano no chamado “Projeto Florença” é a de que se busque soluções e mecanismos que façam com que o magistrado extraia da norma legal o máximo de efetividade, para que se atinja o escopo do processo qual seja a pacificação social.
O Ministro José Augusto Delgado (1988) sintetizou algumas dessas providências que podem ser tomadas pelo juiz no decorrer do litígio.
São elas:
a) A concessão de medidas cautelares de ofício, em situações que se apresentem indubitavelmente necessárias para assegurar o resultado a ser imposto pela sentença;
b) A de determinar a conversão de procedimento não adequado no que deve ser seguido para o tipo de ação proposta;
c) A de ter iniciativa de buscar provas para instruir a lide ao verificar a inércia comprovada das partes;
d) A de evitar, de modo severo, que as partes litiguem por má-fé ou que utilizem o processo para obtenção de pretensões ilícitas;
e) A de acelerar a entrega da prestação jurisdicional, exercendo, de ofício, ativa fiscalização no andamento do feito, cobrando a realização dos atos processuais não somente das partes, bem como dos serventuários.
Cumpre, desde já, antecipar que é dentro dessa última “onda” que se insere o objeto dessa pesquisa.
É que a tutela jurisdicional deverá ser prestada ao pobre, ao consumidor, ao titular de um meio ambiente sadio etc, mas também deverá ser prestada de forma efetiva. E aí, chama-se efetividade a entrega daquela tutela ao litigante que tenha direito com o mínimo de tempo possível.
Em outras palavras, a demora na entrega da tutela jurisdicional pode ser tão ruim quanto a própria falta de tutela.
Por outro lado, vale ressaltar algumas advertências de José Carlos Barbosa Moreira no sentido de apontar alguns mitos, no que toca ao tema efetividade e acesso à justiça.
“Rapidez acima de tudo” (Moreira, 2004), como se fosse exclusividade do direito pátrio uma justiça não tão célere quanto se pretende. Basta dizer que não são todos os que querem uma justiça rápida. Pelo menos um dos litigantes a quer morosa.
Se imaginarmos que cerca de 80% das ações ajuizadas envolve o poder público em uma das três esferas de descentralização com prazos em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer (art. 188 do CPC) veremos que uma demanda que duraria, em média, de 02 a 04 anos, passa a durar de 06 a 08 anos.
Por outro lado, “a fórmula mágica” (Moreira, 2004) certamente não existe nem tão pouco sejamos ingênuos de achar que o sistema processual alienígena é melhor que o nosso (Moreira, 2004). Segundo Cappelletti, citado por Dinamarco, “nenhum aspecto dos modernos sistemas legais está a salvo de críticas” (Dinamarco, 2003).
Por fim, adverte Barbosa Moreira que a “norma não é onipotente” (Dinamarco, 2003). Não é possível imaginar que o processo poderá ser resolvido sempre de forma ágil. É necessário garantir aos litigantes o princípio do contraditório, da ampla defesa, do devido processo legal etc, para que se tenha uma boa prestação jurisdicional.
2.2 – Conceito de tutela inibitória
 
Inibir significa impedir, embaraçar, impossibilitar (Ferreira, 1996), equivale dizer, no sentido da técnica processual, como meio capaz de tolher alguém a fazer ou deixar de fazer alguma coisa.
A ação inibitória visa em regra a uma prestação consistente em um fazer ou não fazer algo. Busca de uma maneira geral impedir fatos comissivos ou omissivos.
Como elemento temporal se volta mais para a prevenção de algum ataque ou para a imposição de alguma providência, que se quer tomada antes mesmo da ocorrência do evento ou para impedir que se repita.
Como ponto de partida para o tema tutela inibitória a Constituição da República disciplina em seu art. 5º, XXXV que “a lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito”. (grifo nosso)
Chama-se atenção para o fato de que o legislador constituinte se preocupa em oferecer mecanismo de coibição em caso de ameaça a algum direito antes mesmo que ele ocorra ou, em outras palavras, quando a lesão está na iminência de ocorrer.
Distingui-se desde já, o ilícito do dano na medida em que aquele é o ato contrário à lei e que não gera necessariamente a ocorrência do segundo, ou seja, “o dano é uma conseqüência meramente eventual e não necessária do ilícito” (Marinoni, 2000).
Marinoni afirma que: a tutela inibitória é uma tutela específica, que visa a conservar a integridade do direito no sentido de que é melhor a prevenção do que o ressarcimento (Marinoni, 2002).
Para esse autor (2003),
“É preciso que se tenha um procedimento que culmine em uma sentença que ordene sob pena de multa e que admita uma tutela antecipatória da mesma natureza.”
 
E prossegue Marinoni (2003),
“A tutela inibitória é essencialmente preventiva, pois é sempre voltada para o futuro, destinando-se a impedir a prática de um ilícito, sua repetição ou continuação”.
 
2.3 –As cláusulas gerais de tutela inibitória no direito pátrio
Não era tarefa do direito privado prevenir conflitos, mas ressarci-los. A prevenção era tema mais afeto aos ramos do Direito Público preocupado em garantir e proteger as liberdades negativas do indivíduo frente ao Estado (Lorenzetti, 1998).
Por outro lado, o Direito Privado setecentista, muito mais preocupado em proteger o patrimônio do que a pessoa, voltava-se mais para o ressarcimento e a repressão do que prevenir condutas.
O Código de Processo Civil, por exemplo, disciplina em seu art. 932 que “o possuidor direto ou indireto, que tenha justo receio de ser molestado na posse, poderá impetrar ao juiz que o segure da turbação ou do esbulho iminente, mediante mandado proibitório, em que se comine ao réu, determinada pena pecuniária, caso transgrida o preceito”. (grifo nosso)
Vale dizer que: a sentença no interdito tem natureza mandamental e não condenatória e se preocupa na prevenção efetiva do patrimônio.
Já o art. 287 do mesmo diploma, antes da reforma que lhe deu a Lei 10.444/02, previa a possibilidade de cominação de multa pecuniária para o caso de descumprimento da sentença. (grifo nosso).
Num procedimento especial que protege o patrimônio o autor da lesão pode ser compelido a fazer ou não fazer algo sob pena de multa.
Já no procedimento comum de rito ordinário era necessário, portanto, aguardar o trânsito em julgado da sentença para, em seguida, obter-se a inibição pretendida com a cominação de pena pecuniária em caso de descumprimento.
Dessa forma, legitimava-se a conduta ilícita do réu até o trânsito em julgado para que, somente então, sob ameaça de multa, providenciasse a prestação pretendida pelo autor.
Desde já se pergunta como aguardar a lesão a um direito da personalidade e só então poder impor uma medida sob pena de multa?
Com o advento do art. 273, com a redação que lhe foi dada pela lei 8.952/94, possibilitou-se ao autor pleitear, já no pedido inicial, a antecipação da tutela pretendida, não sendo necessário aguardar o desfecho da ação, desde que  se convença da verossimilhança da alegação e sejam preenchidos os requisitos do fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou que fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório por parte do réu.
Por sua vez, o art. 461, que também teve sua redação modificada pela lei 8.952/94, prevê em seu § 3º a possibilidade do juiz conceder a tutela liminarmente sendo certo que o § 5º, acrescentado pela lei 10.444/02, exemplificou hipóteses em que o juiz poderá tomar providências, de ofício ou a requerimento da parte sem, contudo, torná-las exaustiva.
Por fim, o atual art. 287, com a nova redação que lhe deu a lei 10.444/02, prevê a possibilidade de incidência de pena pecuniária para o caso de descumprimento da sentença ou da decisão antecipatória de tutela.
Todas as providências legais aqui elencadas são de natureza processual, isto é, viabilizam a realização de algum direito material ameaçado de lesão.
Com exceção do disposto no art. 75, que deveria ser interpretado extensivamente, não havia no Código Civil de 1916 mecanismos de coerção voltados para a tutela dos direitos da personalidade.
Não obstante, a ausência de dispositivos específicos para a proteção daqueles direitos a Lei de Introdução ao Código Civil previa em seus artigos 4º e 5º a aplicação da analogia, costumes e princípios gerais de direito, bem como o atendimento, por parte do juiz, aos fins sociais a que a lei se dirige e às exigências do bem comum.
Com o advento do Código Civil de 2002 e a mudança da mentalidade patrimonialista para a mentalidade existencialista (Perlingieri, 2002), que fará com que a leitura dos institutos do Direito Privado seja feita não de maneira egoísta, individualista ou voluntarista, mas sob a perspectiva socializante, foram previstos, através de cláusulas gerais inseridas no capítulo II do Livro I da Parte Geral, dispositivos específicos que cuidam dos chamados direitos da personalidade.
Vale lembrar, que o papel das cláusulas gerais é o de dar abertura para a interpretação dos dispositivos, a partir de conceitos normativos e jurídicos indeterminados, fazendo como que a jurisprudência diga, no momento de aplicação da norma, a maneira mais adequada de sua interpretação.
O art. 12 do novo codex é expresso ao afirmar:
“Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas”. (grifo nosso)
 
Já o art. 20 assim disciplina:
“Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização de imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingir a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se destinarem a fins comerciais”. (grifo nosso)
Por fim, o art. 21 também expressa:
“A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma”. (grifo nosso)

Algumas condutas que estão descritas nos dispositivos mencionados, tais como “cessar a ameaça”, “proibir a requerimento da parte”, “impedir ou fazer cessar” certamente são condutas que estão direcionadas a inibir alguém, que está na iminência de lesionar algum direito da personalidade de outrem.
Lorenzetti (1998) explica que:
“nos direitos fundamentais há um tempo próprio e distinto daquele previsto nas tradicionais formas de ação e da proteção substantiva; estão vinculados à situação existencial do indivíduo. A proteção ressarcitória colide com a situação contextual e, não a modificando, é distorcido o resultado definitivo do processo”.

Percebe-se da leitura dos dispositivos acima mencionados que a preocupação do legislador de 2002, no que diz respeito aos direitos da personalidade está muito mais voltada para sua prevenção do que para a reparação no caso de dano.
Segundo Miguel Reale, presidente da comissão revisora do projeto que deu origem à lei 10.406/02, “merece encômios essa providência de incluir disposições sobre os direitos da personalidade, uma vez que a pessoa é o valor-fonte de todos os valores jurídicos”. (grifo no original).
Segundo Perlingieri (2002):
Existe uma diferença ente o poder de agir em juízo para pedir que o dano que já se sofreu seja ressarcido (ação de perdas e danos) e o poder de obter que a atividade danosa cesse e que não provoque danos ulteriores; esta ação (azione inibitória) não pode ser limitada às hipóteses típicas, mas é um instrumento geral de tutela.
 
 
2.4 –A tutela inibitória como mecanismo de proteção dos direitos da personalidade.
 

Sob a ótica do Direito Público, o processo é visto como meio ou instrumento de pacificação social. É em face do Estado que se propõe uma demanda na medida em que ele (Estado) ao assumir o monopólio da jurisdição trouxe para si a incumbência de realizar aquela pacificação. Daí algumas características da jurisdição como secundária, instrumental, substitutiva, provocada e etc (Júnior, 1993).
Sob o prisma do Direito Privado, o processo é o instrumento de realização de um direito material, que diz ter sido violado ou está ameaçado de violação e que a parte quer ver restabelecido ou preservado pelo causador do ilícito.
Aqui é necessário distinguir as medidas cautelares das medidas antecipatórias. Se a providência que se quer realizada visa a acessoriedade do processo, fala-se, então, em medidas cautelares. Estas tendem a conservação do provimento final a ser tutelado à parte.
Quando é o próprio direito material que é antecipado fala-se, assim, em antecipação de tutela.
Quando se fala em provimento cautelar ou provimento antecipatório tem-se a idéia de alguma medida judicial a ser tomada antes mesmo do desfecho do processo. São medidas incluídas no gênero “medidas de urgência” (Dinamarco, 2003).
Entretanto, o art. 461 do CPC assim descreve:
“Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento”.
Já o § 7º do art. 273 prevê:
“Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado”.
Conjugando os dois dispositivos pode-se concluir que o juiz poderá, desde que presentes os requisitos, antecipar total ou parcialmente os efeitos da tutela pretendida, mesmo que essa tutela tenha natureza cautelar. É o que a doutrina denomina de fungibilidade entre medidas cautelares e antecipatórias (Dinamarco, 2003).
Já foi dito que a mudança da centralidade para a dignidade da pessoa humana altera valores e princípios e demonstra a necessidade de tutela efetiva do ser humano e não somente de seu patrimônio (Lorenzetti, 1998).
Além da dignidade da pessoa humana, erigida a fundamento da República no art. 1º, III, outras cláusulas como a de solidariedade social, a erradicação da pobreza e a da redução das desigualdades sociais, inseridas no art. 4º, I e III do Texto, dão abertura como forma e instrumento  de realização e promoção do ser humano como “valor máximo” do ordenamento (Tepedino, 2001).
A jurisdição para ser efetiva e acessível deverá ser realizada como “instrumento promotor e garantístico da justiça material” (Nogueira, 2003). Mas essa realização deverá ser feita não somente a partir do novo ordenamento civilístico, mas, sobretudo, retirando da taxonomia constitucional seus verdadeiros valores e princípios. E, é através da função ordenadora desses princípios constitucionais, que se revela a nova idéia de direito (Carvalho, 2003).
Por fim, vale dizer, que será a partir do princípio constitucional da dignidade, que se terá uma tutela geral da pessoa humana (Moraes, 2003).

3 – Conclusão
 
 
Do que foi exposto no presente trabalho pode-se extrair as seguintes conclusões:
Os direitos da personalidade não podem aguardar o desfecho de um processo para, só então, serem efetivamente tutelados. Ao contrário, necessitam ser tratados de forma preventiva, porque lidam com interesses existenciais do indivíduo e não com seu patrimônio.
Vida, liberdade, integridade física e moral, imagem, nome, recato, são interesses existenciais que precisam ter tratamento diferenciado daquele dispensado aos direitos patrimoniais pela pandectista alemã.
Em nosso ordenamento, já existe a possibilidade da ação inibitória que independente de sua qualificação doutrinária, tem previsão expressa no art. 461 do CPC.
Com a possibilidade de antecipação de tutela prevista no art. 273, mesmo em se tratando de provimento de natureza cautelar, consoante dispõe o § 7º daquele dispositivo, poderá ser requerido antecipadamente a cessação de qualquer ameaça a direitos da personalidade.
Já o art. 287 do diploma formal, com a nova redação que lhe foi dada pela lei 10.444/02, consolida a cominação de pena pecuniária para o caso de descumprimento da decisão antecipatória de tutela.
Não bastassem tais dispositivos, o novo codex prevê, através das cláusulas gerais dos arts. 12, 20 e 21 medidas coercitivas que poderão ser requeridas de forma preventiva e que tutelarão de maneira eficaz os direitos da personalidade.
Por fim, conclui-se que será a partir do princípio constitucional da dignidade, independente de previsão de qualquer fattispecie, que se terá uma tutela geral da pessoa humana e de todos seus prolongamentos.

Bibliografia
 
 
BERTI, Silma Mendes. Há direitos da personalidade protegidos pelo código de defesa do consumidor?. Belo Horizonte: Revista da Faculdade de Direito Milton Campos, n. 03, 1996.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Ed. Campus, 1992.
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CAPPELLETTI Mauro, GARTH Bryant. Acesso à Justiça. Tradução Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2002.
CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional didático. 9. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.
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DELGADO José Augusto, Função do juiz na direção do processo. Revista Consulex, nº 13, 1998.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova era do processo civil. São Paulo: Malheiros, 2003.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. 1. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.
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*Artigo publicado na Revista Jurídica da Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais do Instituto Vianna Júnior – Pórtico Jurídico, Ano V, Número 05 (2005)

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