A Lei Complementar 101, que estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências, estabelece, em seu art. 1º, § 1º, para as três esferas de descentralização política, que a responsabilidade na gestão pressupõe a ação planejada e transparente, no intuito de prevenir riscos e corrigir desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas. Estabelece ainda o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a renúncia de receita, geração de despesas com pessoal etc.
Ao final de 2016 estaremos diante do encerramento do quarto mandato para gestores municipais sob advento da lei complementar sob comento. São 16 anos de administração regidos por uma legislação que, em apertada síntese, traz obrigações ao gestor de não gastar mais do que arrecada e está autorizado, de não deixar dívidas para o sucessor e de demonstrar onde e como aplicou os recursos. Planejamento, equilíbrio das contas, controle, responsabilidade, transparência são princípios regentes do administrador do ponto de vista fiscal e orçamentário. Vale lembrar ainda os princípios da legalidade, publicidade e eficiência, disciplinados no âmbito geral da administração pública e elencados no art. 37, caput do Texto Constitucional.
Nesse sentido, a rigidez normativa obrigou gestores a um exercício permanente de planejamento e revisão e a sua desobediência tem repercutido com ressarcimentos, condenações, inelegibilidades, suspensão e até perda de mandato em alguns casos. Mais que sanção, porém, a legislação trouxe uma mudança de cultura, um processo pedagógico permanente, e o dinamismo político, social e econômico facilmente nos remete a uma frase de Paulo Freire, que afirmava que “educar é impregnar de sentido o que fazemos a cada instante”.
Deparamos, assim, com um 2016 desafiador diante de um modelo de federalismo centrífugo quando da repartição de obrigações em confronto com o modelo fiscal centrípeto que tudo “recolhe” nos municípios e pouco (quase nada) divide. As desonerações tributárias e principalmente a retração econômica trouxeram para o cenário já complicado dos municípios a dificuldade de manter o atendimento as demandas constitucionalmente determinadas sem o comprometimento dos investimentos locais. Exemplos claros disso estão na educação e saúde. O governo federal repassa aos municípios R$0,30 por aluno para custear a merenda escolar (menos que um pão francês dia) quando o custo médio da merenda escolar é de R$2,50.
Na saúde se repetem os mesmos problemas, seja no subfinanciamento de programas como a Estratégia da Família, onde o valor repassado representa hoje 1/3 do custo do serviço, como também na assistência farmacêutica e nos valores fixados para remuneração dos serviços médicos.
A judicialização das politicas públicas também tem representado um grande problema para os gestores na medida que algumas ordens judiciais promovem situações de desequilíbrio tanto assistencial como financeiro. Amparadas pela constituição, não se questiona a legitimidade ou legalidade, apenas a dificuldade do ente mais próximo (município) arcar sempre e de forma integral com seu custo e sem prejuízo a outras ações. Pesquisa recente da UFJF aponta que mais de 99% dos medicamentos custeados pela Prefeitura de Juiz de Fora para atender determinação judicial não eram de sua competência, e esse quadro se repete pelo país afora. Não obstante a ideia de universalidade do sistema único, boa parte das condenações dizem respeito à responsabilidade do ente federal.
Um outro fator preocupante é o comprometimento de receita para remuneração de pessoal. Com a queda da arrecadação, é grande o número de municípios que se aproximaram do limite legal de comprometimento permitido por lei, que é de 54% da receita para essa finalidade. Ora criado por legislação local, ora por legislação federal como é o caso dos pisos, fica hoje a obrigatoriedade de cumprimento sem, no entanto, haver indicação da origem dos recursos para enfrentá-la, aliada a uma falsa sensação de que o gestor local se opõe a cumprir. Não se trata de mera oposição, mas de absoluta impropriedade do meio, ou seja, de onde tirar para cumprir.
Ainda sim é notório o avanço, seja pelo amor ou pela dor, nota-se uma mudança de comportamento que poderá implicar em uma melhor gestão dos recursos e pleno atendimento a lei. No entanto, resta hoje o desafio de, sendo aquele ente mais próximo do cidadão, ter o município que suportar até mesmo obrigações que não são suas. Aliado a isso, o processo de avaliação permanente e as dificuldades têm levado a uma conduta mais austera, a qual, porém, não se exaure na figura do gestor, mas principalmente na participação cada vez mais ativa da sociedade, impregnando de sentido as nossas ações cotidianas.
Qualquer orçamento denota a ideia de receita e despesa, equilíbrio e a fiscalização por quem de direito. Já dizia o velho adágio: “casa que não tem pão todo mundo grita e ninguém tem razão”. Se a res é pública, caberá a todos, sem exceção, o exercício fiscal. Seja o administrador, na condução do orçamento, seja o munícipe, na fiscalização, cada um deverá desempenhar o importante papel de reger as contas públicas e aplicá-las da melhor forma possível.
*Por Valério Augusto Ribeiro – Advogado e Consultor Jurídico do Escritório Valério Ribeiro Advocacia.
Joaquim Nascimento – Prefeito de Matias Barbosa – MG – 2005/2008 e 2013/2016, Advogado Ex-Presidente da Ampar, Ex-Diretor Regional da Associação Mineira dos Municípios.
Publicado na edição nº310 da Revista Em Voga – Maio de 2016.
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