Blog

28 de novembro de 2019

A DESUMANIZAÇÃO DO MÉDICO

Já tivemos a oportunidade de manifestar em diversas ocasiões sobre o fenômeno da desumanização da medicina. Nesse processo de transformação, a relação médico/paciente se acelera e os riscos de sua atividade também se intensificam. Pacientes que antes eram atendidos durante uma hora, ou mesmo durante uma tarde inteira pelos tradicionais médicos de família, hoje chegam a ser atendidos em minutos, quando buscam o sistema público de saúde.

Porém, resolvemos falar aqui sobre um outro fenômeno. O da desumanização do médico. Esse segundo processo de transformação, no entanto, não é provocado pelo profissional liberal, mas, também, pelo atravessador de sua mão de obra especializada. As operadoras de planos de saúde parecem desinteressar pelos bons profissionais, nivelando todos em uma vala comum. Para as entidades atuantes na saúde suplementar o que importa é atender, se é que isso realmente importa, e atender sem se importar se o usuário de seu plano escolheu o médico por ser de sua confiança ou por estar disponível na prateleira da operadora.

Ouvi de uma médica que seu serviço virou commodity, atrelado apenas à lei da oferta e da procura na comunidade onde atua. Se isso é verdade, a mão de obra oferecida no mercado se unitariza, assim como os medicamentos são embalados e entregues ao paciente em tratamento hospitalar.
Parece ser um caminho sem volta. Já assistimos isso na desvalorização dos honorários médicos ao longo dos anos pela ausência de reajustes. Também assistimos isso na verticalização dos planos, que não se importam tanto com a qualidade do atendimento, desde que o atendimento ocorra dentro da capacidade financeira e da sinistralidade da carteira. Algumas operadoras já pagam um valor fixo por toda a demanda de seus usuários em determinada especialidade.

É sobre essa desumanização que nos referimos nesse texto. A desumanização do profissional mais liberal que se tem conhecimento desde as revoluções setecentistas. Esse segundo processo de transformação está tirando do médico assistente a capacidade de lidar com seu paciente e estabelecer com ele a relação mais nobre da medicina. A de atender e de lhe ministrar a pretendida cura dentro de sua autonomia técnica. Está tirando ainda o poder de escolha do paciente em não mais ser atendido pelo médico de sua confiança. Tudo se resume a números e gestão. Essa operadora tem tantas mil vidas. Aquela operadora tem mais de um milhão de vidas. E por aí vai.

Cremos que uma revolução silenciosa já se iniciou e vem tomando corpo no campo da medicina. Algumas especialidades não se sujeitam mais aos desmandos das operadoras e não aceitam exercer seu ofício por parcos valores. Cedo ou tarde as operadoras entenderão que sem médico não há assistência à saúde.

*Artigo publicado por Valério Augusto Ribeiro na edição nº351 da Revista Em Voga.

Notícias relacionadas