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6 de março de 2017

A MÁFIA NA ÁREA DA SAÚDE

Segundo dados da ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar, disponíveis em seu sítio eletrônico, a população que tem acesso a planos privados de assistência à saúde conta aproximadamente com 47,5 milhões de usuários. Desse número, cerca de 39 milhões são usuários dos chamados planos coletivos, cujos índices de reajustes não são controlados pela autarquia federal.

O número de operadoras está próximo de 1.300 entidades atuantes na saúde suplementar. A receita no setor girou em 2016 um valor próximo de R$ 150 bilhões. Destaque-se ainda que, no primeiro trimestre de 2016, houve redução na taxa de sinistralidade para todas as modalidades de operadoras médico-hospitalares, segundo informa a ANS.

O número de médicos no Brasil é próximo de 450 mil profissionais distribuídos em 54 especialidades. Segundo o Conselho Federal de Medicina, há no país 2,11 médicos por grupo de 1.000 habitantes. Uma taxa próxima de países como Estados Unidos (2,5), Canadá (2,4) e Japão (2,2). Do número total de profissionais em atuação cerca de 60% concentra-se na região sudeste. A cada ano cerca de 12.000 novos profissionais ingressam no mercado de trabalho. Questionados sobre remuneração, ainda segundo o CFM, 62,4% dos médicos declararam receber mensalmente até R$ 16 mil, 20,4% recebem de R$ 16 mil a R$ 24 mil e 13,4% declararam receber mais de R$ 24 mil mensais.

Se dividirmos o valor da receita bruta anual apurada pelos planos de saúde para cada médico, chegaremos ao valor de R$333.000,00 (trezentos e trinta e três mil reais) para cada profissional. Ainda em análise aos números, se cada médico gira um valor mensal próximo de R$30.000,00 (trinta mil reais) e cerca de 60% recebem remuneração abaixo de R$16.000,00 (dezesseis mil reais), podemos concluir matematicamente que a maior parte da receita operacional não vai para esse profissional, principal ator no trabalho médico assistencial. Equivale dizer que o médico gera um faturamento em torno de sua atuação profissional próximo de R$30.000,00 (trinta mil reais) por cada mês de trabalho. Porém, ele fica apenas com a metade desse faturamento, sem considerar suas despesas e impostos. E não estamos considerando os médicos atuantes exclusivamente no setor público.

Por outro lado, as ações de “demonização” da classe médica são visíveis. Não bastasse a importação de médicos de outros países, em desastrosa política do governo impichado, sistematicamente os médicos vêm sendo acusados pelo setor privado de pertencerem a uma máfia ou de atuar em absoluto desacordo aos preceitos éticos e em prejuízo de seus pacientes. Em recente entrevista, o presidente da Abramge afirmou quer irá processar cerca de 100 médicos por má condução e desvios no exercício profissional. Nesse sentido, sobram acusações de comportamento ilícito, contrário à deontologia e até mesmo criminal que estariam sendo praticados por alguns profissionais. A quem interessa divulgar essa informação?

Por óbvio as condutas ilícitas deverão ser apuradas e os responsáveis devidamente punidos. O que estamos afirmando é que a acusação de toda uma classe por conta do comportamento antiético e ilícito de uma centena de profissionais é demasiadamente exagerada e fora da razoabilidade. Se o número de médicos acusados de desvios é cerca de 100 profissionais, isso equivale 0,022% do número de médicos com títulos de especialistas. A quem interessa divulgar essa informação?


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Para se ter uma ideia, segundo a Folha de São Paulo, em matéria publicada em 2016, a lista de políticos envolvidos e citados na operação lava-jato, apresentada pela empreiteira Odebrecht, era de 316 nomes ligados a 24 partidos políticos. Esse número corresponde a cerca de 53% do Congresso Nacional, unindo as duas casas legislativas (81 senadores e 513 deputados).

Ainda segundo o presidente da Abramge, somente no Distrito Federal, foco da operação Mister Hyde, o número de solicitações de cirurgias com materiais implantáveis caiu cerca de 30% após a deflagração das investigações. Não seria interessante para os planos de saúde reduzir o custo operacional com essas solicitações? É bom repetir que o desvio ético deverá ser de fato punido. Porém, será que não seria interessante para os planos divulgar para a população uma sensação de desvio de comportamento por parte dos médicos assistentes, colocando uma vez mais em cheque a relação fiduciária existente entre médico e paciente? A quem interessa esse “grito” desproporcional?

De fato interessa para o plano reduzir ou postergar seus custos assistenciais. Não é por acaso que são campeões de reclamação nos procons e alvo de inúmeras ações na via judicial. Comportamento como reajuste por faixa etária em contrariedade ao Estatuto do Idoso, negativa de cobertura para OPME (stents, marca-passo, próteses e órteses etc) e para materiais utilizados para complementação ou substituição de organismo, negativa de cobertura para exames de complementação diagnóstica e terapêutica, negativa de cobertura para medicamentos quimioterápicos, glosas por auditoria sem auditoria, ausência de reajustes aos médicos prestadores são apenas alguns exemplos dos abusos perpetrados pelas entidades atuantes na saúde suplementar. E ainda falam em judicialização da saúde como se fosse um fenômeno alheio ao seu comportamento.

Para os planos de saúde interessa gerar a sensação de que o paciente está desassistido com seu médico. Recentemente um plano lançou um programa intitulado “2ª Opinião Médica”, sugerindo ao usuário que ele deveria fazer mais uma consulta com um especialista indicado pelo plano, “inteiramente gratuita” no intuito de avaliar se o procedimento cirúrgico é ou não é necessário. Ocorre que essa sugestão jamais deveria partir do plano de saúde. Soa antiético o comportamento da entidade ao sugerir uma nova consulta. Primeiro porque põe em cheque a capacidade de um de seus médicos assistentes (o que primeiro avaliou o paciente). Segundo porque o médico que aceita se submeter a esse comportamento de avaliar paciente de seu colega está atuando em desacordo à Resolução CFM 1.931/2009 (Código de Ética Médica).

Como dito, interessa sim aos planos de saúde reverberar ao máximo o comportamento ilícito de alguns profissionais. Ao fazer isso, os planos de saúde nivelam todos os médicos e os jogam em uma vala comum, como se todos os profissionais praticassem o desvio apurado. Esse é o argumento que eles têm para mais uma vez, sob a falsa ideia de moralidade e legalidade, negar ou postergar algum tipo de cobertura assistencial.

Portanto. Todas as vezes que ouvir falar em máfia na área da saúde. Pare um minuto e pergunte: quem é de fato o mafioso?

* Valério Augusto Ribeiro – Advogado e Assessor Jurídico das seguintes entidades:

 

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