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19 de maio de 2017

A PRIVATIZAÇÃO DO PÚBLICO E A PUBLICIZAÇÃO DO PRIVADO

Cinco são os princípios da Administração Pública elencados no artigo 37 da Constituição Federal. São eles: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Não obstante estarem elencados no Título destinado à organização do Estado, certo é que os deveres se espraiam pelos três poderes, auxiliando no equilíbrio do sistema de freios e contrapesos adotados em nosso modelo político.

Nesse sentido, legislativo, executivo e judiciário, apesar de sua autonomia institucional, deverão primar pela condução de suas funções pautados nos deveres que o legislador constituinte a eles destinou.

Ao trazer esses princípios para o cenário atual é possível perceber o quanto estamos distantes do ideal político modelado pelo constituinte originário e o tanto que anda teremos que caminhar, se pretendemos ser de fato uma nação forte.

Por legalidade entendemos que se na esfera privada é dado ao cidadão fazer tudo que a lei não vede, na esfera pública só é lícito ao administrador fazer algo amparado num diploma legal que autorize sua conduta. O Estado brasileiro vivencia um cipoal de legislações que acabam por empurrar o país para uma burocracia estagnadora do desenvolvimento. Reformas tributária, trabalhista, política e previdenciária estão na ordem do dia e precisam ser implementadas.

Além disso, nosso sistema abre espaços para que políticos e partidos se apossem da coisa pública e façam dela o quintal de suas casas. A noção de coletivo deixa de existir quando vemos cartéis de todo o tipo se apoderando da res pública e fazendo dela um instrumento de enriquecimento pessoal destinado a apenas alguns indivíduos e aos amigos do rei.
A impessoalidade, por sua vez, denota que quem gerencia não pode fazer propaganda pessoal. O administrador público, enquanto investido na função, não poderá valer de seu cargo para autopromoção ou para dele obter algum tipo de vantagem publicitária.
Não raras vezes é comum o chefe estatal se confundir com o próprio partido, em uma relação de simbiose onde as vezes não se identifica quem de fato governa o país. Em boa hora poderíamos nos livrar da excrescência do foro privilegiado, uma aberração existente em alguns parcos países.
Sobre o tema da moralidade a situação é caótica. Não há um único setor, em especial no legislativo e no executivo, isento de críticas. O país expõe ao mundo as feridas da corrupção embalada por empresas que há muito elegem os políticos que irão favorece-los. É uma pena que a operação lava-jato não consiga ser tão rápida quanto seu nome.

Mais triste é ver que alguns dos envolvidos, em sede delação premiada, se regozijam ao dizer como se compra um político, um partido, uma medida provisória ou um presidente. Aqui um parêntese. Sempre entendemos que o administrador poderá ser condenado por fatos comissivos ou por fatos omissivos. Se nada sabe é porque não tem competência para gerir. Se sabe é conivente e deverá suportar os rigores da lei. Simples assim.

O princípio da publicidade, por sua vez, tem uma dupla conotação. Dar conhecimento dos atos administrativos aos administrados, para que possam ser confrontados, quando for o caso. E para dar transparência na gestão da coisa pública.
É estranho perceber como empresas estatais, fundos de pensão, autarquias e bancos públicos suportam o nível de corrupção vivenciado no Brasil. É como se os conselhos dessas entidades simplesmente não existissem ou de fato fossem apenas figurantes.
Onde ficam os colegiados de direção, conselhos fiscais, ouvidorias, comissões de ética ou qualquer outro nome que se queira dar a esses setores? Ninguém vê nada, ninguém sabe de nada, ninguém ouve nada? Ou também participam na distribuição de vantagens?
A recusa de alguns partidos nas privatizações não é por ideologia ou pela preservação do patrimônio, mas, para manutenção de empresas onde a corrupção lhe rende muito mais do que apenas alguns votos.
A eficiência, por sua vez, é uma característica da qual passamos ao largo. Licitação é a escolha da melhor proposta dentre as apresentadas por aqueles que desejam contratar com o poder público. O grande problema é que, além da cartelização promovida pelas grandes empresas, vivemos também a combinação de preços e a recontratualização de obras e serviços.
Essas condutas são em parte responsáveis pelo círculo vicioso em que se encontra o Estado brasileiro. Uma empresa banca uma campanha, elege um político, coloca-o a seu serviço, que por sua vez lhe dá em troca uma legislação de interesse, obras faraônicas e recursos para manutenção do ciclo.
Nos chama a atenção o fato de que os políticos que elegemos se preocupem em livrarem-se soltos, ao legislar em causa própria, tentando intimidar o poder capaz de neutralizar os desmandos praticados. A PEC 241 e o PL 280/2016 são exemplos do que se afirma.
De tudo o que foi exposto é possível perceber que os espaços públicos já foram privatizados, pois, servem aos interesses daqueles que os comanda. Já o setor privado, cada vez mais monitorado, é obrigado a conviver com uma casta de privilegiados a qual ele, privado, ajuda a sustentar.
PS. Aos que pensam no retorno dos militares ao poder, façamos um pequeno exercício. Olhemos para a Venezuela e avaliemos se de fato é isso o que queremos.
*Artigo publicado por Valério Augusto Ribeiro na edição nº321 da Revista Em Voga.

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