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25 de março de 2020

COVID-19: IMPACTOS JURÍDICOS E SOCIOECONÔMICOS DA PANDEMIA DO CORONAVÍRUS

1. Introdução

O presente trabalho tem por escopo servir como material explicativo, prospectivo e de forma acessível aos que buscam informações sobre os impactos da pandemia do ponto de vista jurídico e econômico. Seu objetivo principal é dar uma orientação geral acerca dos impactos da Covid-19 e eventuais soluções jurídicas, principalmente nas searas do direito civil, trabalhista, tributário e administrativo, bem como, acerca das medidas econômicas que estão sendo tomadas pelo Governo e por instituições bancárias.

 

2. Como ficará a execução dos contratos privados durante a ocorrência da pandemia?

Como é de conhecimento geral, posto que o assunto tem sido tratado diuturnamente, tanto pelos jornais e telejornais,quanto pelas redes sociais, a epidemia da Covid-19 iniciada em meados de dezembro, na província de Wuhan, China, rapidamente se espalhou pelo mundo causando a pandemia do mencionado vírus, sendo correto afirmar que o Coronavírus chegou ao Brasil em março e conta, na data de hoje (23/03/2020), com 1.620 brasileiros infectados e 25 mortos em razão da contaminação.
Diante deste cenário trágico, e consequentemente, em razão das medidas básicas de profilaxia adotadas para evitar a propagação do novo Coronavírus, principalmente o isolamento social, é de se perguntar como ficarão as relações contratuais na seara do direito privado?
No momento em que duas ou mais pessoas decidem firmar um instrumento particular de contrato, de imediato elas contraem direitos e obrigações recíprocas e se vêm obrigadas a cumpri-las, sob pena de responderem por perdas e danos, de acordo com os artigos 389 e 391 do Código Civil.
Ocorre que, em certos casos, a depender de fatos alheios à vontade das partes, surgem situações impeditivas de conclusão dos contratos celebrados, colocando em risco seu adimplemento, fazendo com que ele seja modificado ou mesmo extinto. Esses casos, chamados no direito de caso fortuito ou força maior, têm previsão legal e estão disciplinados no artigo 393 do Código Civil, assim descrito:
  • “Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
  • Parágrafo único: O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.”
Para esclarecimento, apesar de surtirem os mesmos efeitos na seara contratual, têm-se por caso fortuito o ato imprevisível e inevitável praticado pela força humana, sendo as consequências deste o motivo para o inadimplemento contratual, como, por exemplo, a impossibilidade de cumprir com uma obrigação em razão de greve ou guerra.
A força maior, por sua vez, é descrita como o fato previsível ou imprevisível, causado por forças da natureza ou outros elementos externos à ação humana de forma inevitável, impedindo o adimplemento das cláusulas contratuais pelo devedor. São exemplos deste fenômeno os tsunamis, furacões, enchentes e, agora, a pandemia do Covid-19.
Sendo assim, em uma primeira análise, em razão do agravamento da crise causada pelo Coronavírus e das medidas de segurança que estão sendo tomadas e que deverão ser mantidas, por tempo indeterminado, para evitar uma maior propagação da doença, o devedor não responderá pelos eventuais prejuízos resultantes do inadimplemento contratual em razão do caso de força maior, de acordo com o dispositivo legal acima produzido.
Ainda, de forma semelhante, pode-se sustentar o inadimplemento contratual com base na teoria da imprevisão, estampada no artigo 317 do Código Civil, conforme se vê:
  • Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.

Na mesma esteira e considerando a imprevisibilidade da situação, se, em razão da pandemia, houver uma onerosidade excessiva para uma das partes e grande vantagem para a outro, esse desequilíbrio também poderá ser revisto na via judicial, no intuito de reequilibrar o contrato.

  • “Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.”

Ainda com base na mencionada teoria, o artigo 479 CC/02 traz que a resolução, ou seja, a “extinção” contratual poderá ser evitada oferecendo-se ao réu modificar equitativamente as condições do contrato.

Note, portanto, que diante de situações extraordinárias ou imprevisíveis, os contratos, em tese, poderão ser resolvidos ou reajustados de forma a evitar uma onerosidade excessiva a uma das partes.

Diz-se em primeira análise e em tese porque a solução jurídica virá da situação concreta de cada caso, ou seja, da particularidade de cada contrato e suas partes.

Com efeito, as partes contratantes não têm como prever, através da redação de cláusulas, todas as situações que podem ocorrer durante a execução do contrato. Do mesmo modo, o legislador não tem como prever todas as situações que podem ocorrer no mundo dos homens.

Esta afirmação é de suma importância e nos ajuda a entender que nenhum Direito é dotado de caráter absoluto, muito em razão do fato de que nem todas as situações possíveis de ocorrerem são possíveis de previsão legislativa.

Deste modo, pensamos que certos contratos não poderão ser resolvidos ou alterados, seja pelo caso de força maior, seja pela teoria da imprevisão, por se tratarem de produtos e serviços essenciais ao enfrentamento dessa crise, sem precedentes, que vivenciamos no Brasil.

Portanto, entendemos que serviços essenciais, como os relacionados à saúde, imprensa, e produção e distribuição de gêneros alimentícios e hospitalares não poderão ser resolvidos, sendo a única alteração possível o seu incentivo, inclusive com o dispêndio de recursos públicos, até que a população brasileira esteja segura.

Nos demais casos, pensamos ser relevante a tentativa de solução amigável dos conflitos, evitando-se a via judicial, buscando ao máximo manter a parceria e evitar o confronto, sobretudo considerando, nesse momento, as dificuldades de acesso à justiça em tempos de pandemia.

 

3. Como ficará a execução dos contratos de natureza administrativa durante a ocorrência da pandemia?

A imprevisibilidade não afetará apenas os contratos de natureza privada, de modo que os contratos de natureza administrativa, entendendo-se por estes aqueles contratos em que o poder público contrata com um agente privado, também serão passíveis de alterações.

Não é difícil conceber que no enfrentamento da crise que agora vivenciamos haverá uma alteração na ordem de prioridade de compromissos a serem respeitados pelo poder público.

É dizer, muito provavelmente, ante as incertezas, será dada uma maior importância aos contratos que visem o atendimento aos serviços e produtos que são essenciais à população brasileira neste momento crítico, aí se incluindo os necessários para o combate à contaminação epidemiológica.

Desta maneira, obras públicas poderão ser suspensas, bem como licitações de serviços e produtos que, no momento, não são considerados essenciais.

Neste sentido, de acordo com o artigo 65, II, alínea b, da Lei 8.666/1993, a denominada Lei das Licitações, assim prevê:

  • “Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos: (…)
  • II- por acordo das partes: (…)
  • b) quando necessária a modificação do regime de execução da obra ou serviço, bem como do modo de fornecimento, em face da verificação técnica da inaplicabilidade dos termos contratuais originários.(…)”

Veja-se, ainda, o que diz o parágrafo 5º do mesmo dispositivo:

  • “  §5º. Quaisquer tributos ou encargos legais criados, alterados ou extintos, bem como a superveniência de disposições legais, quando ocorridas após a data da apresentação da proposta, de comprovada repercussão dos preços contratados, implicarão a revisão destes, para mais ou para menos, conforme o caso.”

Perceba, portanto, que até os contratos de natureza administrativa serão passíveis de revisão ante a situação extraordinária vivenciada nesse momento.

 

4. Quais serão as alterações previstas a nível fiscal e tributário durante o enfrentamento da pandemia?

Como já ressaltado, é iminente o impacto que a economia brasileira, e mundial, sofrerão em decorrência do avanço rápido do contágio pela Covid-19. Basta se atentar para o fato de que fronteiras internacionais estão sendo fechadas e o isolamento social está sendo quase mandatório, de modo que os únicos estabelecimentos que permanecem abertos são aqueles essenciais para a população.

Neste sentido, é claro que diversos setores sofrerão um grande impacto com a crise, como por exemplo, a indústria têxtil e os mercados a ela atrelados, as atividades ligadas ao turismo e lazer, dentre muitas outras.

Diante desta realidade, o Ministério da Economia planeja nos próximos meses injetar no mercado montante equivalente a 147 bilhões de reais, com o principal objetivo de tentar minimizar o impacto econômico da pandemia, e fortalecer setores estratégicos como os serviços de saúde.

Até o momento, as principais medidas anunciadas na seara tributária foram as seguintes:diferimento, em 3 meses, do prazo de pagamento do FGTS, bem como dos tributos ferais devidos à União pelo SIMPLES nacional;

  • diferimento, em 3 meses, do prazo de pagamento do FGTS, bem como dos tributos ferais devidos à União pelo SIMPLES nacional;
  • redução pela metade, por três meses, das contribuições do Sitema S (SENAI, SESI, SESC, SENAC);
  • redução das alíquotas de importação de produtos de uso médico-hospitalar a zero, pelo menos até o fim do ano;
  • desoneração temporária de IPI para bens importados ou produzidos internamente, que sejam necessários ao combate do novo coronavírus;
  • destinação de 4,5 bilhões de reais para o SUS, advindos do saldo do fundo do DPVAT;
  • liberação de 5 bilhões de reais de créditos do PROGER/FAT para micro e pequenas empresas;
  • facilitação do desembaraço aduaneiro de insumos e matérias primas importadas antes do desembarque;
  • simplificação das exigências para a contratação de crédito e dispensa da Certidão Negativa de Débitos e Tributos Federais em caso de renegociação de crédito.

Com relação a pessoas físicas, cumpre informar que, até o momento, não foram suspensos os prazos para o cumprimento de diversas obrigações tributárias acessórias, de forma que os mesmos continuam a fluir normalmente, de forma que não foi confirmada nenhuma informação sobre eventual prorrogação de quaisquer prazos.

Em se tratando de pessoas jurídicas, há que se relembrar que existem outras formas de quitação de débitos tributários, que poderão ser utilizados para compensar o fluxo de caixa, como por exemplo, parcelamento, compensação, transação, dação em pagamento e programas especiais de pagamentos de títulos.

 

5. Quais posições estão sendo adotadas pelas instituições bancárias durante a pandemia do Covid-19?

Os atendimentos prestados pelos bancos sofrerão alterações durante a crise. Os bancos brasileiros irão alterar o horário e a forma de atendimento ao público enquanto permanecer o alto risco de contágio pelo novo Coronavírus.

Esta foi a orientação do Banco Central.

A alteração acima foi definida no dia 19/03 e publicada no Diário Oficial da União na data de 23/03.

Acerca das medidas que estão sendo adotadas, os bancos, a partir do dia 19/03, passaram a operar com horário reduzido de atendimento nas agências, bem como a organizar turnos alternados de trabalho em regime contingenciado.

Ademais, segundo o R7, o Banco do Brasil, Bradesco, Caixa, Itaú Unibanco e Santander vão prorrogar por 60 dias os vencimentos de dívidas de clientes pessoas físicas e micro e pequenas empresas para os contratos vigentes em dia e limitados aos valores que já foram usados pelo consumidor.

Dessa forma, não será necessário ir presencialmente à agência bancária. O cliente poderá ligar para seu gerente e ainda usar os canais eletrônicos para entrar em contato com seu banco, como o atendimento telefônico e os meios digitais. Cada instituição irá definir o prazo e as condições dos novos pagamentos.

 

6. Quais os principais aspectos da Medida Provisória 927 de 22/03/2020?

Sobre a MP 927, que dispõe sobre as medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade, reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20/03/2020, vale apontar o reconhecimento de estado de força maior com implicações nas ralações trabalhistas.

Seguem abaixo o resumo apontado pela FIEMG:

  • Celebração de Acordo Individual para a fim de garantir o vínculo empregatício que terá preponderância sobre os demais instrumentos coletivos, respeitando os limites constitucionais.
  • Alteração do regime presencial para o teletrabalho, independente de ter o acordo individual ou coletivo, dispensando o registro prévio de alteração do contrato de trabalho. Definição do que é teletrabalho e notificação ao empregado com 48 horas de antecedência por escrito ou eletrônico. Estabelecer um contrato escrito no prazo de 30 dias. O tempo de uso nos aplicativos e programas de comunicação não serão considerados horas a disposição. Autorizado trabalho remoto para aprendiz e estagiários.
  • Antecipação de férias individuas com 48 horas de antecedência. Não pode ser menor de 5 dias, poderá ser antecipada sem que o período aquisitivo tenha corrido, poderão antecipar períodos futuros e serão priorizados o chamado grupo de risco do COVID-19. Poderá suspender férias de profissionais da saúde com 48 horas de antecedência. Adiamento do 1/3 da férias para junto do 13º. O empregador poderá recusar o abono pecuniário. O pagamento das férias poderá ser feito até o 5º dia útil do mês subsequente ao início do gozo das férias. Em caso de demissão haverá a quitação das férias.
  • Férias Coletivas: avisar o grupo de empregados com 48 horas de antecedência, dispensado a comunicação aos sindicatos e antigo MTE.
  • Antecipação de feriados federais, estaduais ou municipais com aviso de 48 horas de antecedência o grupo de empregados por meio escrito ou eletrônico. Os feriados poderão ser utilizados para banco de horas. Feriados religiosos dependerá da concordância do empregado.
  • Banco de horas: de até 18 meses após encerrado o período de calamidade pública, através de acordo individual. A compensação poderá ser determinada pelo empregador independente de Act ou acordo individual.
  • Suspensão da necessidade de ASO para admissionais, periódicos, exceto demissional, serão realizados até 60 dias após o término da calamidade pública. Caso tenha algum risco o médico coordenador poder determinar a realização do exame. O exame demissional poderá ser liberado caso tenha sido feito por até 180 dias.
  • Suspensão de treinamentos legais obrigatórios e previstos em NR. Deverão ser realizados no prazo de 90 dias após o estado de calamidade. Poderá ser feito treinamento a distância.
  • CIPA poderá ser mantida e novos processos eleitorais suspensos.
  • Dispensa do recolhimento do FGTS durante os meses de março, abril e maio. Poderá ser feito de forma parcelada (até 6 parcelas) sem multa e juros. Em caso de demissão deverá recolher as parcelas. Fica suspensa a contagem do prazo prescricional dos débitos relativos a contribuições do FGTS  pelo prazo de 120 dias. Prorrogação dos prazos de regularidade por 90 dias.
  • Jornada 12×36* por acordo individual nas áreas da saúde, mesmo em área insalubre, criar jornadas suplementares.
  • Suspenso os prazos para recursos administrativos, oriundos de autos de infração.
  • Casos confirmados do COVID-19 não serão considerados ocupacionais.
  • Os ACT/CCT vencidos ou vincendos, poderão ser pelo prazo de 90 dias a critério do empregador.
  • Regulamentação da atuação dos auditores fiscais do trabalho.
  • As alterações valem para CLT, temporários, trabalhador rural.
  • Não se aplica as regras do teletrabalho os trabalhadores de telemarketing e teleatendimento.
  • Antecipação do abono anual, em 2 parcelas: 50% do valor no mês de abril/20, os outros 50% em maio/20.

 

7. Mensagem Final

Não se pretendeu aqui esgotar as possibilidade infinitas de situações que poderão ocorrer num momento de crise. Ao contrário, tentamos dar uma visão geral e apontar os principais aspectos consequentes da pandemia.

A situação é de excepcionalidade e, como tal, deverá ser tratada por todos. É preciso seguir as orientações dos poderes constituídos, em especial as recomendações quanto ao isolamento, no intuito de impedir o alastramento de casos.

A pandemia é uma situação sem precedentes na história brasileira recente e o momento é de solidariedade e cuidado com os mais vulneráveis.

Valério Ribeiro Advocacia

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