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15 de junho de 2016

DOAÇÃO DE ÓRGÃOS, TRANSPLANTES E ANÁLISE JURÍDICA

A doação de órgãos é um processo complexo que demanda um conjunto de fatores que deverão operar em plena sintonia. A confiança da população e da família do doador, a eficiência da equipe de profissionais e a qualidade do campo de atuação onde ocorrerá o ato médico são fatores cruciais para o sucesso de qualquer doação de órgãos.

Apenas para exemplificar, anualmente são realizados cerca de 6.000 transplantes de rim em todo o Brasil. Na cidade mineira de Juiz de Fora, referência na Zona da Mata para esse tipo de serviço, foram realizados cerca de 80 transplantes no ano de 2015.

É bom que se diga que o ato de doação é espontâneo, nobre e solidário, seja pelo próprio doador, nos transplantes inter vivos, ou pelos familiares, no caso de transplantes em situações post mortem. Para tanto, as campanhas de doação de órgãos incentivam o diálogo em família para que todos manifestem seu desejo de se tornar ou não doador.

Nos casos de transplantes inter vivos, por disposição de vontade, ato solidário por excelência, é permitida à pessoa capaz dispor gratuitamente de órgãos e partes do próprio corpo, para fins terapêuticos ou para transplantes em cônjuge ou parentes consanguíneos até o quarto grau, inclusive. É possível ainda a doação para terceiros, mediante autorização judicial, dispensada esta em relação ao transplante de medula óssea.

Por outro lado, nos casos das doações post mortem, há algumas particularidades legais que precisam ser avaliadas. A morte encefálica precisa ser comprovada sem contradições. Concluídos os protocolos o quadro é irreversível e a morte está confirmada

Em 1968, a Universidade de Harvard instaurou um Comitê Multi-institucional ad hoc que definiu morte encefálica quando há coma irresponsivo, ausência de reflexos de tronco encefálico e ausência de movimentos respiratórios. É importante perceber que o profissional da área de saúde, além de conhecer a parte técnica de seu ofício, deverá também estar atento aos aspectos legais.

Em nosso ordenamento jurídico, a Lei 9.437/97, que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento e dá outras providências, informa que a retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica.

De acordo com a Resolução 1.480/97 do Conselho Federal de Medicina (CFM), a morte encefálica deverá ser constatada e registrada por 2 dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, e confirmada por um exame complementar mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos nesta. Concluídos os protocolos o quadro é irreversível e a morte está confirmada.

Ademais, a retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoas falecidas para transplantes ou outra finalidade terapêutica, dependerá da autorização do cônjuge ou parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau inclusive, firmada em documento subscrito por duas testemunhas.

Autorizada a doação pelos familiares, tem início os procedimentos de doação, distribuição e transplante dos órgãos. Todos os processos, da identificação do potencial doador, passando pela confirmação da morte até a distribuição dos órgãos doados, é rigorosamente regulado pelo Sistema Nacional de Transplantes através do MG-Transplantes.

O Conselho Federal de Medicina, por sua vez, através da Resolução CFM 1826/2007, informa ser legal e ética a suspensão dos procedimentos de suportes terapêuticos quando determinada a morte encefálica em não doador de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante.

O cumprimento da decisão deve ser precedido de comunicação e esclarecimento sobre a morte encefálica aos familiares do paciente ou seu representante legal, fundamentada e registrada no prontuário. Ainda de acordo com a autarquia responsável pela fiscalização e normatização da prática médica, a data e hora registradas na declaração de óbito serão as mesmas da determinação de morte encefálica.

Feita a análise dos aspectos técnicos e legais pertinentes à matéria, é bom que se diga que antes de ser um ato médico, com regulamentação própria e de ser um ato técnico, realizado por profissionais capacitados, a doação de órgãos é um ato solidário, dotado da capacidade de salvar vidas.

*Por: Valério Augusto Ribeiro – Advogado Especializado em Direito Médico e Consultor Jurídico do Escritório Valério Ribeiro Advocacia;

Gláucio S. de Souza – Médico Cirurgião de Transplantes da Santa Casa de Misericórdia e Professor do Departamento de Cirurgia da Universidade Federal de Juiz de Fora.

Publicado na edição nº 307 da Revista Em Voga – Fevereiro de 2016.

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