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16 de agosto de 2021

INCONSTITUCIONALISSIMAMENTE

A República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito cujos poderes, aparentemente independentes e harmônicos entre si, são o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, consoante descrevem os artigos 1º e 2º da Constituição Federal. Dissemos aparentemente independentes e harmônicos, pois, algumas decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição e ápice do Poder Judiciário, têm sido alvo de críticas e debates, sobretudo pela hodierna interferência e ingerência na condução dos assuntos dos outros dois poderes. Não se trata aqui de sair em defesa desse ou daquele poder ou mesmo dessa ou daquela autoridade, mas, do sistema como um tudo, que é o sustentáculo daquele chamado Estado Democrático de Direito.

Se é certo que o monopólio da jurisdição é deferido como última palavra ao Poder Judiciário, na expressão literal do artigo 5º, XXXV da Carta Política, certo é, também, que a politização das decisões judiciais implica em algum tipo de imposição contrária à clássica isenção desse poder. Estado Democrático e Estado de Direito, considerando a cisão do termo constitucional, são conceitos jurídicos indeterminados que precisam também da necessária harmonia imposta aos poderes da República. Não há democracia sem voto e não há liberdade sem respeito ao regime legal. É sabido que todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos e que ninguém será privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal, agora na leitura dos artigos 1º, parágrafo único e 5º, LIV do Texto, respectivamente. Eleições livres e respeito ao ordenamento jurídico também são bases conceituais que precisam ser respeitadas por quem quer que seja.

Se assim o é, as decisões políticas do Legislativo e Executivo são respaldadas pela legitimação eleitoral daqueles que elegeram seus representantes, assim como a prisão arbitrária ou a instauração de inquérito em desrespeito ao juiz e ao promotor naturais são fortes indícios de instabilidade institucional, tão comentada de maneira invertida pela “opinião publicada” dominante em nosso país.

Não se trata aqui, repito, de defender esse ou aquele poder ou autoridade, mas, de defender a liberdade que temos e, se for o caso, de sermos processados de uma maneira regular, pelas autoridades competentes, com regras previamente estabelecidas e definidas por aqueles que nós elegemos. O inquérito ex officio ou a prisão que dele emana da forma arbitrária, sem pedido do titular da ação penal, padecem de legalidade, já que não haverá juízo ou tribunal de exceção, conforme disciplina o artigo 5º, inciso XXXVII da Constituição da República. O mesmo juiz não pode, a um só tempo, ser o titular da ação e a vítima, ainda que seja a mais alta corte do país. Judicium est actus trium personarum. O julgamento tem três partes, sendo duas parciais (autor e réu) e uma imparcial (juiz).

Muitos dizem defender a Constituição, mas parece não terem lido e interpretado seus artigos. Um dos maiores brocardos de nosso sistema e que intitula esse texto tem se apequenado. Nem mesmo o conceito jurídico do Estado Democrático de Direito passa despercebido com a leitura dos dispositivos constitucionais. Já dissemos aqui, em outra ocasião: “Na clareza da lei cessa a interpretação”.

*Artigo publicado por Valério Ribeiro na edição nº374 da Revista Em Voga.

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