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26 de julho de 2022

O ROL TAXATIVO DA ANS E OS 20 ANOS DO CÓDIGO CIVIL

Em janeiro de 2022 o Código Civil completou 20 anos de existência, lembrando que sua vigência teve início apenas a partir de janeiro de 2003. Segundo o professor Miguel Reale, Supervisor da Comissão do Anteprojeto, o Código Civil é a “constituição do cidadão comum” e foi reformulado seguindo três princípios fundamentais: eticidade, socialidade e operabilidade.

A eticidade trouxe para o ordenamento jurídico a ideia de boa-fé objetiva nas relações negociais. Deveremos sempre agir pautados nos deveres de urbanidade, honestidade e lealdade nas relações intersubjetivas. A boa-fé objetiva passa a ser um imperativo de comportamento e cânone hermenêutico de interpretação jurídica.

A socialidade, por sua vez, traduz a ideia de que o poder público não é onipresente e não tem a capacidade de solucionar todas as mazelas sociais. Traduz ainda a ideia de que o indivíduo e suas relações negociais deverão se preocupar com o entorno. Daí a função social da propriedade e dos contratos. O poder público e a sociedade são responsáveis pela existência social de cada um de seus membros.
Por fim, a operabilidade diz respeito à abertura do sistema legislativo e a inserção de cláusulas gerais. Conceitos abertos e vagos passam a dar fluidez ao tecido normativo que passa a ser interpretado pelo operador da norma (operadores do direito), prescindindo alterações legislativas recorrentes.
Ao analisar a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça sobre a taxatividade do rol da ANS, nos chama a atenção a consequência no plano prático de como essa decisão será interpretada pelas operadoras e como ela será repassada aos usuários. Por certo as operadoras dirão que se não está no rol não tem cobertura assistencial, em dissonância ao fundamento da eticidade acima exposto.

em embargos das exceções disciplinadas no voto do ministro relator da decisão, Luis Felipe Salomão, no sentido de que “(i) o rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar é, em regra, taxativo; (ii) a operadora não é obrigada a arcar com tratamento não constante do rol da ANS se existe, para a cura do paciente, outro procedimento eficaz, efetivo e seguro já incorporado ao rol; (iii) é possível a contratação de cobertura ampliada ou a negociação de aditivo contratual para a cobertura de procedimento extra rol; (iv) não havendo substituto terapêutico ou esgotados os procedimentos do rol da ANS, pode haver, a título excepcional, a cobertura do tratamento indicado pelo médico ou odontólogo assistente”, certo é que a ideia por trás de uma decisão dessa monta fará com que as operadoras reverberem a taxatividade como sendo definitiva para a não cobertura assistencial fora da lista de procedimentos, rompendo com o preceito da função social dos contratos que gerencia.

Para o cidadão comum, carente de conhecimento para interpretar contratos cativos e de adesão, os conceitos de ética, função social e abertura do sistema dificilmente serão absorvidos e ele sempre pensará não ter direito diante da ausência de cobertura do tratamento de que necessita. Ainda que em certa monta o Rol da ANS comporte exceções ao seu estado hermético, conforme as razões expostas no voto do relator, por certo não será essa a mensagem passada pelas operadoras, em afronta aos fundamentos usados na reformulação do Código Civil.

O contrato de plano de saúde deverá atender sua função social considerando que o custo operacional e atuarial da operadora deverá ser repartido por todos os usuários e não pago apenas por aquele que necessita de fato do atendimento médico.

Negar a cobertura assistencial ao argumento da taxatividade do rol é condenar o usuário a vagar pelo sistema público em busca de um atendimento que lhe deveria ser dado em contrapartida ao custo que lhe é cobrado mês a mês.

*Artigo publicado por Valério Ribeiro na edição nº384 da Revista Em Voga.

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