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25 de março de 2025

Pichar, Conspurcar e Golpe de Estado

A Lei de Crimes Ambientais, Lei 9.605 de 1998, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, descreve, em seu artigo 65, que pichar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano poderá gerar uma pena de detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa. Já o § 1º do mesmo dispositivo informa que se o ato for realizado em monumento ou coisa tombada em virtude do seu valor artístico, arqueológico ou histórico, a pena é de 6 (seis) meses a 1 (um) ano de detenção e multa.

Pichar, em português, significa escrever, rabiscar (dizeres de qualquer espécie) em muros, paredes, fachadas de edifícios etc. Conspurcar, por sua vez, significa colocar ou deixar cair sujeira sobre, sujar, manchar. Tanto uma como outra conduta são descritas na Seção IV do Capítulo V da Lei 9605 de 1.998, que trata dos crimes contra o meio ambiente.

Em recente decisão, a cabeleireira D. R. dos S. poderá receber uma pena de prisão de até 17 anos por ter escrito uma frase na estátua “A Justiça”, em frente ao prédio do Supremo Tribunal Federal, durante o evento de 08/01 na capital federal. Além disso, a cabeleireira é acusada de associação criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, deterioração de patrimônio tombado, e dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União.

 


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Sem embargos das posições políticas de cada leitor e ratificando que a justiça deverá ser igual para todos, vale citar alguns princípios constitucionais de direito que aparentemente vêm sendo desconsiderados nesse caso. (i) O julgamento de cidadãos comuns em cortes especiais desconsidera a competência e retira a possibilidade de uma revisão do julgado, ferindo o direito ao contraditório, a ampla defesa e ao devido processo legal; (ii) Desconsidera o princípio do juiz e do promotor naturais; (iii) O caso vem sendo tratado em instância única, o que fere o princípio de que não haverá juízo ou tribunal de exceção; (iv) Fere ainda o princípio da individualização da pena, já que sua conduta está sendo associada a todos que participaram do ato de vandalismo; (v) A decisão fere ainda a possibilidade de substituir prisão preventiva por domiciliar para mulheres com filho de até 12 anos de idade; (vi) Desconsidera o habeas corpus coletivo concedido pelo STF para favorecer todas as mulheres presas que se encontravam nessa situação; (vii) Pelo princípio da proporcionalidade, criminosos cujo delito é muito relevante em termos de lesão à sociedade recebem benefícios processuais negados a D. R. dos S.

Em certo texto já dissemos por aqui que a democracia da dominação existe quando o motivo usado para regulamentar direitos ou tomar decisões se traveste de uma suposta legalidade, se ampara em uma estranha defesa de direitos e intenciona retirar as garantias constitucionais conquistadas pelos cidadãos a duras penas.

É sempre importante lembrar o que diz o artigo 5º do Decreto-Lei 4.657, de 1942, conhecido como Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Referido dispositivo é expresso ao dizer que na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.

 

Artigo publicado por Valério Ribeiro na edição nº416 da Revista Em Voga.

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