Muito se tem discutido a respeito da liberação da fosfoetanolamina sintética, vulgarmente conhecida como “pílula do câncer”. Em decisão datada de 08/03/2016 a Câmara dos Deputados aprovou sua fabricação, distribuição e uso. A substância vinha sendo usada há anos, até que o Tribunal de Justiça de São Paulo suspendeu sua distribuição. Trata-se de uma medicação desenvolvida pela USP São Carlos para o tratamento de tumores malignos. O projeto seguiu para o Senado e, se aprovado, seguirá para sanção presidencial.
Paralelo à atuação legislativa e logo após a aprovação pela câmara baixa, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA se posicionou em sentido contrário, já que a medicação não tem registro na autarquia federal. De acordo com a Agência, a medicação carece de testes que garantam sua segurança e eficácia. A grande preocupação é a liberação de um medicamento sem que se conheçam os riscos para a saúde da população.
É bom que se diga que a ANVISA é uma autarquia sob regime especial, criada pela Lei nº 9.782/99, que tem como área de atuação todos os setores relacionados a produtos e serviços que possam afetar a saúde da população brasileira. De acordo com o art. 7º, X da Lei 9.782/99, compete à Agência, dentre suas atribuições, conceder registros de produtos, segundo as normas de sua área de atuação. Nem mesmo o protocolo para exame da fosfoetanolamina sintética foi providenciado na Agência pelos interessados.
Discussões à parte, a questão que se coloca é a respeito da responsabilidade, caso o usuário sofra algum prejuízo pelo uso de um medicamento que não tenha registro na autarquia. De quem seria a responsabilidade?
Inicialmente cumpre destacar que, no caso de fosfoetanolamina sintética, estamos falando de um produto que não tem registro algum. Diferente, portanto, de uma medicação off label. Medicação off label, para efeitos didáticos, é aquela que tem registro, porém, de acordo com o despacho SEJUR 482/2013 do Conselho Federal de Medicina, é o medicamento que é usado em não conformidade com as orientações da bula, incluindo a administração de formulações extemporâneas ou de doses elaboradas a partir de especialidades farmacêuticas registradas; indicações e posologias não usuais; administração do medicamento por via diferente da preconizada; administração em faixas etárias para as quais o medicamento não foi testado e indicação terapêutica diferente da aprovada para o medicamento/material.
Há medicamentos que uma vez liberados pela ANVISA para determinada terapia, passam a ter indicação para outro fim, fora do preconizado em bula, geralmente a partir de estudos realizados em série de casos ou estudos comparativos. Nesta situação, os estudos que sustentam seu uso geralmente não têm desenhada a fase do estudo de biossegurança para este segundo fim terapêutico, o que não permite comprovar a precisa efetividade e segurança ao ser utilizado em situação off label. Além destas questões apontadas, muitas vezes é necessária a modificação da dose a partir da dose de apresentação inicial da droga, fracionando-a, para fim de uso off label. As normas para fracionamento de medicamentos também são determinadas pela ANVISA e comissões formadas por especialistas, que apontam as condições ideais para a manipulação, minimizando os riscos finais aos pacientes tratados. Estas exigências devem ser rigorosamente observadas, sob pena de contaminações, mudança de atividade terapêutica, indução de efeitos colaterais desconhecidos, dentre outros.
Como elemento distintivo entre uma situação e outra, temos que no caso da fosfoetanolamina sintética, não há registro algum, segundo a Agência. Já no segundo caso, o medicamento tem registro, mas, vem sendo usado de forma distinta daquela anunciada na bula do remédio. Há um elemento importante para a distinção da responsabilidade em um e outro caso.
O Estado responde de forma objetiva pelos atos comissivos praticados. Responsabilidade objetiva significa, em simples palavras, que ao Estado caberia a responsabilização caso assumisse um risco sobre algo que viesse a produzir um resultado danoso ao cidadão. Nesse caso, se o Estado autoriza o uso de uma medicação sem conhecer efetivamente seus efeitos e essa medicação traz um resultado danoso ao paciente, caberia sim, a reparabilidade civil ao ente estatal.
No caso da medicação off label, se seu uso for indicado pelo médico assistente de forma distinta daquela preconizada na bula do remédio, caberá àquele que indicou a responsabilidade subjetiva, caso venha a causar prejuízos ao que fez uso da medicação.
É bom que se diga que tanto numa como em outra situação deverá ser demonstrado o nexo de causalidade entre a atuação do Estado ou do médico, e o resultado danoso sofrido pelo usuário do medicamento.
Por fim, é bom lembrar que o uso da fosfoetanolamina sintética depende ainda da aprovação pelo Senado Federal e sanção do Presidente da República. A ANVISA já afirmou que “qualquer medicamento novo, de uso relevante em saúde pública, recebe tratamento prioritário”.
Cabe ao Poder Legislativo e ao Presidente da República se sensibilizarem com o tema e acelerar sua tramitação, sem descuidar da segurança pelo uso do remédio e sem atropelar a entidade responsável pela liberação e registro de medicamentos em nosso país.
*Por: Valério Augusto Ribeiro – Advogado Especializado em Direito Médico e Consultor Jurídico do Escritório Valério Ribeiro Advocacia;
Silvana Maria Pereira Vianello – Médica Oftalmologista especialista em Retina e Vítreo e Doenças da Mácula, Doutor e Pós Doutora em Medicina.
Publicado na edição nº 308 da Revista Em Voga – Março de 2016.
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