O cérebro humano é biologicamente programado para preservar a coerência interna entre suas crenças e as informações externas. Quando uma nova evidência contradiz algo em que acreditamos (por exemplo, o erro do nosso partido, do nosso time ou da nossa igreja), surge o desconforto mental conhecido como dissonância cognitiva, conforme aponta Leon Festinger, na obra Teoria da Dissonância Cognitiva. Por que as pessoas julgam de forma diferente o erro quando ele vem “do seu lado”?
Quando ocorre a tensão psíquica gerada pela contradição entre fato e crença, o cérebro reage e reinterpreta o fato, minimiza o erro ou nega a evidência para reduzir o desconforto. Como consequência, o erro do “meu grupo” parece justificável e o erro do outro é intolerável. Esse mecanismo é amplificado pelo viés de confirmação, que leva o indivíduo a procurar apenas informações que reforcem o que já acredita. Um processo inconsciente, automático e profundamente emocional.
A psiquiatria social ensina que o ser humano tem uma necessidade profunda de pertencer a um grupo. Esse pertencimento ativa o sistema de recompensa do cérebro, liberando dopamina, que é o mesmo neurotransmissor envolvido no prazer, no vício e na motivação. Defender o grupo, portanto, gera prazer e criticá-lo, gera dor. Essa dinâmica é chamada de viés endogrupal.
Nos contextos político, esportivo e religioso, ela é especialmente intensa. No futebol, o torcedor enxerga a vitória do time como uma vitória pessoal. Na política, o filiado vê a crítica ao partido como uma ofensa à própria identidade. Na religião, o fiel tende a considerar o questionamento da sua crença como um ataque à própria verdade existencial. O resultado é o tribalismo moral em que o indivíduo passa a defender o grupo acima dos princípios universais de justiça ou verdade. Não por acaso recomenda-se não discutir esses três temas.
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A ética, por sua vez, pressupõe imparcialidade. Mas quando a lealdade emocional supera a razão, o julgamento moral se torna condicionado ao interesse do grupo. O erro passa a ser avaliado não pelo que é, mas por quem o comete. “Se foi o meu partido, teve um motivo.” “Se foi o outro time, tem que ser punido.” “Se foi meu líder religioso, foi uma provação divina; se foi o líder do outro, foi pecado.” Esse é o fenômeno da moralidade tribal, onde o certo e o errado se relativizam conforme o pertencimento. Trata-se de uma distorção cognitiva com implicações éticas, frequentemente intensificada por discursos coletivos e líderes carismáticos que estimulam a emoção em detrimento da reflexão.
A neurociência moral mostra que decisões éticas envolvem um conflito constante entre emoção e lógica. Quando há contradição entre os dois, a emoção vence na maioria das vezes. Por isso, pessoas inteligentes e bem-intencionadas podem cometer injustiças sem perceber: o cérebro literalmente filtra a realidade para proteger o pertencimento. É uma defesa emocional, não uma falha moral consciente. Porém, suas consequências são morais e sociais.
No campo religioso, esse fenômeno adquire profundidade singular. A fé, por natureza, envolve crença em verdades transcendentais e vínculo afetivo com o sagrado. Quando esse vínculo é confundido com a identidade de um grupo religioso específico, surge a sacralização da identidade. A religião, que deveria libertar, passa a justificar preconceitos. O fiel deixa de distinguir entre Deus e a instituição, entre o sagrado e o poder. Surge o fanatismo: a recusa em admitir qualquer erro do próprio grupo, mesmo diante de evidências. O que era fé se transforma em negação inconsciente da realidade. Do ponto de vista moral, o problema é grave: a fé deixa de ser uma experiência de transcendência e torna-se um instrumento de exclusão e autoengano coletivo.
A conclusão ética e psiquiátrica é que o verdadeiro equilíbrio psíquico e moral está na autonomia de julgamento, ou seja, na capacidade de analisar os fatos sem submissão emocional ao grupo. O ser humano maduro é aquele que ama seu grupo, mas não se torna cego por ele. Reconhecer os erros do próprio lado é um ato de coragem moral, sinal de integridade e de saúde mental. Na religião, isso é humildade, na política, é ética pública, no futebol, é espírito esportivo. Em todos os casos, é maturidade humana.
Artigo publicado por Valério Ribeiro na edição nº423 da Revista Em Voga.
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