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20 de dezembro de 2018

QUANTO VOCÊ NÃO GANHA, DOUTOR?

A questão envolvendo o reajuste dos honorários médicos não é matéria recente. Não raras vezes o embate envolvendo os valores chegam as vias judiciais na tentativa de reposição das perdas sofridas pelos médicos ao longo dos últimos 30 anos. A questão se mostra urgente no sentido de que os valores recebidos pelos médicos, se comparados a outros segmentos ou se avaliadas as perdas reais dos honorários, precisam ser recompostos, já que, em alguns procedimentos, os valores percebidos não chegam a 20% do valor real devido, se fossem aplicadas as correções e reajustes ao longo dos anos. Soma-se a isso o fato de que com a entrada em vigor da Lei 13.003/14 e RN ANS 363/2014, não há mais justificativa por parte das entidades atuantes na saúde suplementar em não reajustar os procedimentos praticados pelos médicos assistentes a elas vinculados. O ponto relevante, porém, não se atém aos reajustes futuros, já devidamente positivados e que se espera sejam devidamente aplicados aos contratos, mas, à reposição das perdas sofridas ao longo dos últimos 30 anos.

O presente trabalho tem por escopo apontar o percentual de perdas referentes aos procedimentos dentro de algumas especialidades médicas e avaliar o déficit do valor dos honorários médicos praticados no mercado de saúde privada. Quanto os médicos deixaram de ganhar com a ausência dos reajustes?

Para tanto, utilizamos como parâmetro um histórico evolutivo do valor do CH (coeficiente de honorários) pelos índices oficiais, feito pela Associação Médica Brasileira, quando então presidida pelo Dr. Antônio Celso Nunes Nassif, buscando identificar as perdas reais. Também aplicamos os fatores de correção, considerando os índices oficiais como indexadores para atualização dos procedimentos. Retroagimos e consideramos, de acordo com o estudo histórico, que o valor do CH, em maio de 1996, deveria ser de R$0,51 (cinquenta e um centavos), já incorporadas todas as perdas do período. Em seguida atualizamos o valor do CH pelos índices do IGPM, INPC e IPCA e obtivemos os seguintes resultados, até 01/12/2018:

Considerando os valores acima e tomando como base o valor do CH, de acordo com a Tabela AMB/1992, podemos atualizar os valores dos procedimentos médicos, em operação matemática simples. Tomamos como exemplo o CH de alguns procedimentos da oftalmologia, neurocirurgia, endoscopia, ortopedia de ombro e joelho e obtivemos os seguintes valores:

Após identificar o valor de cada procedimento em moeda corrente, passamos a comparar os valores pagos por algumas operadoras, e podemos identificar as perdas sofridas pelos profissionais da área medica ao longo dos anos. É possível, do ponto de vista matemático, identificar qual o valor dos honorários médicos de cada procedimento e qual a perda real que esse profissional vem sofrendo em seu trabalho.

Após examinar os quadros acima, podemos concluir sobre a necessidade de recomposição das perdas sofridas pelos médicos atuantes na saúde suplementar. Em uma vitrectomia, o médico oftalmologista está recebendo 21% do que de fato deveria receber se seus honorários fossem reajustados ao longo dos anos pelo IGPM. O médico neurocirurgião, para realizar uma complicada cirurgia intracraniana, está recebendo apenas 18% do que de fato deveria receber pelo trabalho realizado. O médico ortopedista recebe apenas 22% do que deveria receber para realizar uma artrodese de joelho e 40% se o procedimento fosse uma reconstrução de ligamento cruzado.

Não há dúvidas quanto à necessidade de recomposição de preços a serem aplicados aos honorários pagos aos médicos atuantes na saúde suplementar. A questão do reajuste já era objeto das revogadas Resoluções Normativas ANSnº 42/2003 e 71/2004, assim como pela Instrução Normativa ANS nº 49/2012. A Lei 13.003/2014, assim como a RN ANS 363/2014 entraram em vigor em dezembro de 2014, trazendo mais segurança à relação negocial travada entre operadoras e prestadores de serviços. Porém, o que se percebe é que a depreciação dos valores e a ausência de reposição de preços têm sido uma sistemática no dia-a-dia dos prestadores de serviços.
Considerando a série histórica e os índices IGPM, INPC e IPCA, alguns procedimentos estão defasados em mais de 80%, sendo o médico assistente remunerado em menos de 20% do que de fato deveria receber pelo serviço. É preciso atualizar os procedimentos considerando algum dos indexadores apontados, visando a reposição das perdas sofridas nos honorários médicos ao longo dos últimos 30 anos.
A relação negocial é e deverá ser pautado pelos princípios da lealdade, equilíbrio, boa-fé, equivalência entre prestação e contraprestação, distribuição equitativa de ônus e riscos e função social dos pactos. Transparência e boa vontade são elementos que precisam ser levados em consideração por aqueles que atuam na saúde privada.
*Artigo publicado por Valério Augusto Ribeiro na edição nº341 da Revista Em Voga.

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