Nos últimos anos, o Brasil tem assistido a um fenômeno político inquietante. Enquanto decisões de profunda relevância institucional são tomadas nos bastidores, a opinião pública é conduzida a concentrar sua atenção em eventos espetaculares, emotivos e de massa. A recente decisão liminar do ministro Gilmar Mendes, que concentrou na Procuradoria-Geral da República a legitimidade exclusiva para oferecer denúncia de impeachment contra ministros do STF, elevou o quórum de admissibilidade no Senado para dois terços e suspendeu dispositivos centrais da Lei 1.079/1950, é exemplo do que se afirma.
Desde “O Espírito das Leis”, Montesquieu advertia que a preservação da liberdade política depende de um equilíbrio dinâmico entre os Poderes, de modo que cada um possa conter os excessos do outro. Esse sistema de freios e contrapesos exige não apenas arranjos institucionais formais, mas também vigilância pública, transparência e circulação aberta do debate. Quando um Poder concentra competências ou altera unilateralmente o funcionamento dos mecanismos de controle, rompe-se o princípio clássico segundo o qual “o poder deve frear o poder”, estabelecido hoje no artigo 2º da Constituição Federal.
A medida, tomada monocraticamente, reconfigura o sistema de freios e contrapesos, reduz o papel do Senado e suprime a participação cidadã prevista na lei especial, convertendo um instrumento constitucional de responsabilidade política em um procedimento quase inacessível.
O que chama atenção, contudo, é que tais transformações institucionais frequentemente ocorrem em momentos em que a população está absorvida por outras narrativas, o que não raro inclui a participação da imprensa também como ator político da engrenagem.
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Em períodos de crise, denúncias de corrupção, prisões midiáticas, escândalos seletivos e a dramaturgia permanente da política criminal alimentam a ilusão de que o combate ao crime, o drama nacional do momento, ou até mesmo as disputas esportivas constituem o verdadeiro centro da vida pública. Enquanto isso, decisões judiciais de alto impacto, mudanças legislativas silenciosas e acordos políticos complexos avançam à sombra da comoção coletiva.
A história política brasileira revela que esse padrão não é acidental. O uso de grandes eventos ou o desvio da atenção do cidadão comum, funciona como válvula de escape emocional e, simultaneamente, como mecanismo de desatenção. Nesse ambiente, medidas que deveriam exigir amplo debate social são implementadas com mínima resistência. A liminar de Gilmar Mendes é exemplo claro.
O resultado é um país em que a agenda pública é eclipsada por escândalo ou por entretenimento, e não por razão e debate institucional. Fraudes, prisões espetaculares e o circo cotidiano produzem a sensação de engajamento, mas desviam a atenção daquilo que realmente molda o futuro do país.
É precisamente nesse vácuo de vigilância que se consolidam decisões que redefinem o equilíbrio entre os poderes. A democracia, assim, se fragiliza não apenas pelo autoritarismo explícito, mas também pela anestesia coletiva. O jogo constitucional é único e precisamos torcer e atuar, principalmente quando tudo indica que o vencedor da partida será o “árbitro”.
Artigo publicado por Valério Ribeiro na edição nº425 da Revista Em Voga.
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