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21 de agosto de 2025

A Invasão do Ato Médico por Resoluções de Conselhos Profissionais

Nos últimos anos, tem-se observado um preocupante movimento de ampliação indevida das competências de determinadas categorias profissionais da área da saúde, promovido por meio da edição de resoluções por seus respectivos conselhos de classe. Essa prática, já não rara na esfera da saúde, configura verdadeira invasão do ato médico, em flagrante desrespeito aos limites legais que regulam o exercício da medicina no Brasil.

É importante destacar que as resoluções emanadas pelos conselhos profissionais possuem caráter infralegal, ou seja, não se enquadram como normas jurídicas primárias e, portanto, não podem inovar no ordenamento jurídico nem criar ou ampliar direitos e deveres além daqueles previstos em lei.

Nesse sentido, essas resoluções não se enquadram nas espécies legislativas previstas no artigo 59 da Constituição Federal de 1988, especialmente no inciso VII, que trata dos regulamentos e resoluções elaborados no âmbito do Poder Legislativo com base em competência legislativa delegada ou privativa.

Conselhos profissionais exercem função típica de fiscalização do exercício profissional, conforme definido por lei. Contudo, suas resoluções não têm o poder de alterar ou desconstituir normas legais superiores, muito menos de invadir competências legalmente atribuídas a outras profissões.

Nesse ponto, é necessário lembrar que a Lei nº 12.842/2013 (Lei do Ato Médico) define claramente que atos como o diagnóstico nosológico e o prognóstico de doenças são atribuições privativas do médico, o que visa à proteção da saúde da população e à segurança na prestação dos serviços de saúde.

 


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A crítica aqui exposta não se dirige aos cirurgiões-dentistas. A própria Lei nº 12.842/2013, ao tratar dos atos privativos do médico, estabelece expressamente que tal disciplina não se aplica ao exercício da Odontologia, no âmbito de sua área de atuação (art. 4º, § 6º). Em complemento, a Lei nº 5.081/1966, que regula o exercício da Odontologia, reconhece a competência legal do cirurgião-dentista para realizar, no campo da saúde bucal, atos de diagnóstico e tratamento odontológico, executar procedimentos inerentes à profissão e emitir atestados no setor de sua atividade (art. 6º e incisos). Assim, os cirurgiões-dentistas possuem respaldo legal específico para os atos que executam, não se caracterizando, nessas hipóteses, qualquer invasão ao ato médico.

Ao permitir que profissionais não médicos passem a realizar diagnósticos clínicos e prognósticos — sob o amparo de resoluções corporativas —, abre-se um perigoso precedente de banalização do conhecimento técnico-científico que fundamenta a medicina. Essa distorção ameaça não apenas a competência profissional, mas também a integridade do cuidado à saúde, colocando em risco a vida de pacientes que podem ser expostos a condutas equivocadas.

Ademais, os conselhos profissionais regulamentados por lei, autarquias que são disciplinadas nas disposições do Decreto Lei 200 de 1967, não podem trabalhar à margem do ordenamento jurídico, sob pena de afronta direta ao princípio da legalidade, anunciado expressamente no art. 37, caput, da Constituição Federal.

Portanto, é urgente que os poderes públicos, o Judiciário e a sociedade civil estejam atentos a esse movimento de usurpação do ato médico, promovido à margem da lei e por meio de instrumentos normativos sem força legislativa e de duvidosa legalidade. A valorização da medicina, com o respeito aos limites legais que regem cada profissão da saúde, é essencial para garantir a ética, a segurança e a qualidade no atendimento à população.

 

Artigo publicado por Valério Ribeiro na edição nº421 da Revista Em Voga.

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